Wes Anderson é criador de um gênero único para o cinema. Sua fórmula foge bastante do convencional ao tratar relações familiares e humanas com uma dramaticidade que por vezes se confunde com humor mórbido, pura comédia cheia de ironias ou simples apelo sentimental. É assim que suas obras são das mais curiosas e cativantes dos últimos anos, justamente pela dúvida que elas causam no espectador sobre as motivações para tais atos e relatos. Essa é a magia das pessoas de Anderson, representações simbólicas da nossa sociedade confusa. Eis que chega, em 2012, "Moonrise Kingdom", possivelmente o ápice de sua carreira, em que seu tratamento do roteiro, das personagens e do cenário se encaixam com o maior nível de perfeição da sua carreira, dando a história um sentido dos mais plausíveis e de fácil compreensão de sua filmografia.
De um lado, Sam (Jared Gilman), órfão escoteiro competente, mas rejeitado pelos outros. Do outro, Suzy (Kara Hayward), corvo da Arca de Noé que usa seus binóculos como poder especial. Esse é o casal pré-adolescente e problemático, mas de química adorável, que fogem de suas vidas para iniciarem uma aventura ao gosto deles. Todos os outros moradores da pequena ilha em que o enredo se desenvolve saem em desespero à procura dos dois, cada um com seus motivos, porém descobrindo outros ou revelando mais preocupações.
A relação entre o casal protagonista é impressionante. As duas pessoas consideradas mais estranhas pela pequena comunidade da ilha são as que têm as razões mais justificáveis para realizarem suas atitudes. Elas são as que mais se dedicam a conhecerem a si mesmos com mais intensidade, e é isso que os tornam tão próximos. Se não é possível se adaptar ao meio em que se vive, procura-se outro. É a trajetória da vida. Eles descobrem seus objetivos, encontram o amor, a liberdade, enfrentam obstáculos, aprendem um com o outro e aprimoram seus talentos. Muitas vezes o meio em que vivemos não permite que possamos seguir em frente com nossas ambições, então como podemos seguir em frente? Moonrise Kingdom é a batalha contra esses percalços, buscando a felicidade na sua forma mais simbólica e simples. Somos todos estranhos, justamente por sermos únicos, fazendo disso o porquê de nos identificarmos tanto com o casal de jovens. Pode-se notar uma apresentação muito prematura dos acontecimentos que se sucedem com os dois. O amor incondicional entre eles é demasiadamente intenso e rápido para quem tem uma experiência de vida tão curta. Mas, ao perceber o desenvolvimento dos outros personagens, mais velhos e experientes, notamos que não é bem assim. A irregularidade do casamento dos pais de Suzy, a traição da mãe (Frances McDormand) com um policial frustrado (Bruce Willis), o sistema rigoroso e militar de um acampamento de escoteiros (o qual não se tem como levar a sério) entre outros fatores mostram que a população local é tomada de imaturidade e de mais indecisões que a dupla principal. Não há idade específica para qualquer situação. É o indivíduo que a constrói.
Esse enredo inteligente não poderia ser melhor se não fossem todos os cuidados de produção, meticulosamente orquestrados, com um clima bem característico de Anderson. O elenco é grandioso, em que todos têm seus bons momentos. Os jovens roubam a cena várias vezes, contudo deixando o devido espaço para que Bill Murray, Edward Norton, Tilda Swinton, Jason Schwartzman, Harvey Keitel e os já mencionados Willis e McDormand desenvolvam uma atmosfera muito divertida e comovente. A fotografia é magnífica. Cada plano e sequência são trabalhados cuidadosamente, gerando travelings e panorâmicas dinâmicas, ângulos ousados, cores vivas e iluminação bem colocada. As paisagens foram muito bem escolhidas, dando o clima certo para cada momento. Os cenários são repletos de detalhes, construindo a personalidade de quem convive com aqueles lugares (a peça da Arca de Noé é de uma organização e beleza incrível). A trilha sonora de Alexandre Desplat é praticamente a mais bela do ano, unindo óperas clássicas com instrumentos modernos em arranjos ecléticos e belíssimos. Suaves e impactantes, são um espetáculo a parte.
2012 está sendo um grande ano para o cinema. Vários filmes estão restaurando um trabalho com a linguagem cinematográfica que faz render diversas obras de qualidade e inovação, e com certeza vão se tornar clássicos que inspirarão novas cabeças. Moonrise Kingdom entra fácil nesse grupo. Seu espetáculo visual e a beleza de sua história fazem dele um dos mais memoráveis presentes que Wes Anderson poderia entregar aos cinéfilos dessa confusa sociedade. É hora de dar destaque ao inovador, ao diferente, às novas oportunidades, valorizar o que houver de oposto ou incomum. É hora de autenticar o Reino do Nascer da Lua.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário