A partir dos últimos anos da década de 60, Hollywood deixaria completamente a sua Era do Ouro, onde havia produções de lindos musicais, romances com heróis perfeitos (Attica Flinch que o diga) e dramas com finais felizes (com exceções, por exemplo, nos faroestes e talvez num filme noir) para entrar numa fase completamente nova: a da realidade negativista protagonizada por anti-heróis e homens comuns (esse último já explorado desde os anos 50 como filmes como "Marty"). Filmes como "Bonnie e Clyde" e "Sem Destino" marcariam o final dessa era 'mágica' de Hollywood, abordando bandidos e maconheiros que seriam adorados pelo público com sede de mudanças.
Entrando nos anos 70, há o filme que marca de vez essa nova era, estamos falando de M.A.S.H. A obra dirigida pelo aclamado Robert Altman retrata de uma forma divertida e trágica a Guerra da Coréia, mas esqueça campos de batalha à la "Soldado Ryan" ou algo parecido, o filme é todo centrado em um dos campos de operação dos feridos de guerra, aonde três cirurgiões farão a alegria (e o desespero) dos oficiais e subordinados.
Capitão Augustus Forrest (Tom Skerritt), mais conhecido como Falcão, e Capitão Benjamin Franklin Pierce (Donald Sutherland) são dois cirurgiões que, apesar de bastante competentes em seus trabalhos, aproveitam qualquer hora vaga para irem atrás de enfermeiras, jogar pôquer, e atormentar seus superiores, como o Major 'Frank' Burns (Robert Duvall) e a Major Margaret O'Houlihan (Sally Kellerman). Eles ainda se juntam com outro habilidoso cirurgião, Capitão McIntyre, conhecido como Caçador, e assim a farra está completa.
"M.A.S.H." inicia-se com uma tocante seqüência onde vemos helicópteros com feridos de guerra sobrevoando a área hospitalar ao som da linda canção "Suicide is Painless", uma canção que evoca a desesperança da vida de uma forma quase conformista. Ao vermos essas primeiras imagens juntamente com a canção (que a propósito está merecidamente entre as 100 melhores do Cinema), podemos ter a falsa impressão que esse será um apenas mais um retrato triste sobre uma guerra, entretanto, logo depois de vinte minutos da película (em que Altman dirige de uma maneira quase documental), ficamos cara a cara com um filme que satiriza de uma forma brilhante a total falta de motivação dos membros do exército (e também a falsa motivação de alguns), uma crítica ferrenha à Guerra do Vietnã que começou em 59 e só foi terminar em 75. Essa guerra foi marcada pela alta taxa de mortalidade de despreparados soldados americanos e de protestos nos EUA para o fim da mesma.
A obra não possui um enredo convencional, Altman dirige os banais acontecimentos de uma forma aleatória, abordando- os de um jeito bastante engraçado (até mesmo nas salas de operação), acontecimentos esses sempre ligados aos três divertidos e sacanas cirurgiões e nunca voltados para a Guerra em si; as pessoas do campo hospitalar mal sabem o que acontece no front de batalha, esse campo poderia ser confundido com um acampamento de férias se não fosse pelo 'detalhe' da chegada dos feridos. O diretor realiza uma ótima mistura de drama e comédia. Altman coloca vários atores para contracenarem numa mesma cena, essa é uma de suas marcas características, que iria aprimorar no futuro (chegando a dirigir 24 personagens em "Nashville" e também um elenco enorme em "Short Cuts"). Outra técnica experimental feita por ele foi à de conversas simultâneas; juntando essa técnica aos 'trocentos' personagens em cena, o espectador precisa realmente ficar atento a cada tomada. A trilha sonora (com exceção de Suicide is Painless) é basicamente composta por músicas asiáticas saídas dos alto-falantes, outra técnica inovadora. Há apenas um ponto negativo significativo: a longa seqüência de futebol americano que poderia ter sido reduzida pela metade, tudo bem que o diretor queria mostrar a realidade desses campos, mas não precisava ter arrastado tanto o terceiro ato.
Essa sátira à Guerra do Vietnã serviu de abertura para diretores como Scorsese, que realizou obras conhecidas como 'filmes de rua', mostrando, por exemplo, o lado sujo de Nova York, como em “Caminhos Violentos” e “Taxi Driver”, e William Friedkin, com seu "Operação França", com Gene Hackman como um policial que se encaixa perfeitamente na era Dirty Harry, ou seja, a dos anti-heróis, sátiras e sarcasmos; até os raros musicais que foram produzidos nessa época abordaram esses temas, como "All That Jazz" e "Cabaret". Houve também produções pesadíssimas, como "Apocalypse Now", dirigido por Francis Ford Coppola no final dos anos 70, que é talvez o filme com o retrato mais perturbador sobre uma guerra (no caso, do Vietnã). Apenas na década de 80 é que o cenário deixaria um pouco esse aspecto negativo (não totalmente, vide 'Platoon') com a enxurrada de blockbusters (já começada nos anos 70 com "Tubarão") e filmes familiares, mas mesmo assim, Hollywood nunca mais seria a mesma.
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