Quem nunca, quando criança, brincou com os amigos os mais diversos jogos? Seja num imaginário conto de fadas, polícia e ladrão, esconde-esconde, ou até mesmo buscando um tesouro inexistente no próprio bairro, nos lugares mais isolados e assustadores? Se você foi uma dessas crianças e sentiu um sentimento nostálgico ao ler essas primeiras linhas, é exatamente essa sensação que terá quando assistir Os Goonies, um dos melhores filmes familiares lançados na década de oitenta, só perdendo talvez (ou empatando) com ET - O Extraterrestre. O diretor Richard Donner, que antes de realizá-lo já tinha dirigido grandes obras como Superman e A Profecia, além de ter lançado suas bases como diretor de séries televisivas, juntamente com os roteiristas (e produtor) Steven Spielberg e Chris Columbus, produziram um filme mágico, quase sem falhas (é claro, se você considerar aquilo tudo como uma fantasia) e único.
Mikey Walsh (Sean Astin) é um garoto que, assim como todas as outras pessoas da cidade em que vive, está prestes a ser despejado junto com seus pais e o irmão, Brand (Josh Brolin), para que a cidade, que está afundada em dívidas, vire um campo de golfe. Mikey e seus amigos, conhecidos com Goonies, descobrem no porão do garoto um mapa de um tesouro perdido, pertencente ao pirata Willy Caolho, e então decidem partir em busca do tal tesouro, para que assim tenham condições de pagar as hipotecas e salvar a cidade.
Os Goonies é um filme único, como mencionei, por vários motivos, ao começar pelo seu início, no mínimo, inusitado. O filme se inicia com uma alucinante fuga da prisão, o fugitivo é Jake (Robert Davi), um dos integrantes da família Fratelli, liderada pela megera Mama Fratelli (Anne Ramsey), que são perseguidos pela polícia. Essa perseguição é presenciada por Gordo (Corey Feldman), o Goonie mais guloso - como seu apelido sugere - e engraçado. Através do acontecimento também temos uma visão da pequena cidade em que toda história vai se passar.
Depois da fuga, somos jogados dentro da casa de Mikey, e é lá que cada Goonie tem a sua personalidade definida. Mikey é o mais maduro, tanto que será ele o líder da busca pelo tesouro. Já seu irmão, Brand (Josh Brolin), pode ser considerado 'meio-Goonie' por não estar totalmente integrado ao grupo e, por ser o mais velho, estar mais preocupado com garotas. Data (Jonathan Ke Quan), que um ano antes divertiu as platéias com seu Short Round em O Templo da Perdição, é o japa 'cientista' da turma, suas roupas estão lotadas de bugigangas (que funcionam!) inventadas por ele mesmo. Bocão (Jeff Cohen) é o mais sacana, as piadas mais pesadas ficam ao seu encargo - daí vem o nome sugestivo, sem dúvida o seu breve papel de 'intérprete' é uma das passagens mais engraçadas do filme. E Gordo, como já disse, é o estabanado que só pensa em comida, seu estômago fala mais alto até mesmo nas situações mais perigosas e inusitadas.
O enredo não se preocupa muito em detalhar a descoberta e a preparação do grupo antes de ir atrás do tesouro, o que seria desnecessário. Já tendo definido quem serão os vilões (apesar de não definir qual será exatamente o papel deles, um fator proposital), quem são os Goonies e suas motivações para tal empreitada nos minutos iniciais, o filme mostra o suficiente. Assim feito, a aventura começa quando os amigos saem em disparada em suas bicicletas para o lugar mais remoto e isolado da cidade, doidos por uma aventura, que pode ser a última. Em meio às rochas há um restaurante fechado e abandonado, e é por esse lugar nada convidativo que o grupo vai encontrar a passagem secreta que os levará as mais perigosas armadilhas, no melhor estilo Indiana Jones, só que sem sair da cidade. Mas como o perigo da busca em si nunca é o suficiente, os vilões Fratelli estão 'hospedados' no restaurante, onde, além de estarem escondidos da polícia, eles produzem notas falas e ainda mantém preso um dos irmãos, o pobre Sloth, que possui um grave problema de deformação física e problemas mentais.
O filme é incrivelmente balanceado, não possuindo nenhuma parte chata, absolutamente nenhuma! O ritmo nunca entedia. As seqüências nas passagens secretas, com direito a esqueletos, enormes bolas de pedras, uma enxurrada de morcegos e buracos são emocionantes. Os amigos sempre se mantém juntos e é delicioso vê-los gritando e se abraçando a cada ameaça, situações que reforçam a grande amizade entre os Goonies. Os Fratelli são realmente ameaçadores, e há um ótimo balanço entre os dois perigos: os vilões e as armadilhas.
É interessante notar alguns aspectos, como por exemplo, a inserção bastante acertada de duas mulheres no grupo, Andy (Kerri Green), a paquera de Brand, e Stef (Martha Plimpton), sua amiga. Elas não estão lá apenas para gritar e reclamar o tempo todo, como a enjoada Wilie Scott em O Templo da Perdição, pelo contrário, as meninas, principalmente Andy, ajudam os garotos no decifrar das pistas, tornando uma peça fundamental na busca. É claro que Andy e Stef também estão lá para 'atiçar' a masculinidade em desenvolvimento dos meninos, principalmente a de Brand, que como eu já comentei, está mais preocupado em beijar Andy do que achar ouro e pedras preciosas, apesar de também ajudar os outros garotos quando necessário. É curioso também ver que as crianças estão totalmente envolvidas na aventura, enquanto os 'adultos' do grupo já não ficam tão impressionados. Acontece o mesmo na vida real, não? À medida que o tempo passa, temos a tendência de perder o nosso espírito de aventura, de curiosidade e de emoção perante certas coisas. É como se o Dom Quixote que nasce com cada um fosse morrendo, salvo algumas exceções, é lógico, mas a maioria deixa de ver as situações com olhos de criança. A abençoada exceção é que move o mundo.
Outro aspecto interessante é a desconstrução de família que o filme faz usando os Fratelli. Ao contrário das famílias amorosas dos garotos (e do carinho dos mesmos, afinal, eles estão correndo riscos para salvar a cidade que seus pais tantos gostam, e não para obter glória pessoal), Mama só pensa em si, tratando os filhos como simples integrantes de sua gangue, e mantendo Sloth fora do jogo. Esse por sua vez, que aparentemente se mostra ameaçador numa primeira impressão, acaba fazendo parte da família dos Goonies e forma uma dupla imbatível com ninguém menos que Gordo.
Toda essa estrutura completa da obra se deve ao trabalho tanto de Donner, quanto de Spielberg e Columbus. Spielberg dispensa elogios quanto à sua habilidade de dirigir filmes familiares, o mesmo se aplica a Columbus, que num grau menor, dirigiu pequenas pérolas, como Esqueceram de Mim (uma grande aventura sem mesmo sair de casa!) e sua continuação, Uma Babá Quase Perfeita e competentemente os dois primeiros filmes da franquia Harry Potter.
A interação entre as crianças é ótimas, pontuadas por momentos inspirados e cômicos, além de boas atuações, mas o destaque maior com certeza vai para Astin, que se mostra um garoto ao mesmo tempo maduro e sonhador, sem perder a inocência. Em certo grau ele repeteria certas caraterísticas de Mikey ao interpretar o persistente hobbit Sam, muitos anos mais tarde, na extraordinária trilogia de O Senhor dos Anéis.
Depois de tantos elogios (tenho certeza que todos com o total apoio de Rodrigo Cunha), só fica a pergunta: o que você está esperando para ver os Goonies em ação?
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