Falar mal dos Estados Unidos é sempre um prazer, apesar de também ser um clichê.
Ainda que depois, seguindo a tradicional receita de bolo, a ordem seja estabelecida pela neutralização dos fatos.
Afinal, não se pode deixar as pessoas pensarem que o mal é o bem e o bem é o mal. É preciso esclarecer bem quem é quem nessa história.
Eu pergunto: Quem é o bem e quem é o mal?
Você sabe?
Eu não sei...
Digamos que para se viver de maneira adequada e, no mínimo, harmônica é necessário compreender desde cedo, sem precisar recorrer a La Rochefocault, que não existe a divisão bem e mal. Em todos nós e em tudo há um pouco dos dois, em alguns casos há muito de um ou de outro, o que não costuma ser bom, mas, isso é uma outra história.
O cenário é os Estados Unidos no auge da criminalidade causada, sobretudo, pela Depressão. É óbvio que quando o diretor Michael Mann pensou em executar o longa não havia pensado que, estaríamos passando por uma situação semelhante. Não há tanta criminalidade quanto antes, afinal o mundo mudou e as iniqüidades acompanharam as transformações, já que são um produto direto de cada época. No entanto, fato é que vivemos, sim, um momento muito semelhante à Depressão de 1929. Menos pior, é verdade, mas ainda assim a segunda maior crise da era capitalista.
Então fica combinado assim, do princípio ao fim, que Melvin Purvis (Christian Bale) é o bem e John Dillinger (Johnny Depp) é o mal. Ainda que algumas vezes o diretor tente nos mostrar o quanto o maior ladrão de bancos de todos os tempos é boa praça, ele não consegue de desprender da moral e dos bons costumes. O filme é fantástico, quero afirmar, pela fotografia que é linda, pela história contada, que é simplesmente incrível, pelo mérito de estreiar no momento em que estréia, pelo figurino, cabelos e maquiagem impecáveis.
Um capítulo à parte, é o protagonista Dillinger, charmoso, inteligente, carismático. O que o filme mostra de maneira enviesada é que ele era um ídolo, uma espécie de herói americano.
Duas perguntas: Ele não era um assaltante? Como um assaltante pode ser amado?
Pense na crise hoje, imagine a condição daqueles que eram de classe alta e passaram a pertencer à classe média e os de classe média, que passaram a ser de classe baixa. Agora, imagine que você sabe, ou pensa que sabe, quem é o culpado. Então, vem alguém tão irritado quanto você, mas com um pouco mais de atitude, e rouba o culpado e sai rindo por aí, zombando daquele que tomou o seu dinheiro.
Esta era, basicamente, a estrutura sobre a qual se construía o amor por um bandido. Uma espécie de Robin Wood do modernismo.
Uma frase do filme: “As pessoas se importam muito com o lugar de onde viemos, quando só o que importa é o lugar para onde se vai.”
De origem modesta, Dillinger cresceu sem mãe, que morreu quando ele tinha três anos e cresceu apanhando de um pai severo. Um belo dia, resolveu fazer justiça com as próprias mãos, o Estado tem o dinheiro, que está no banco. Logo, ele resolve roubar o banco.
Talvez ele esteja muito mais para Raskolnikov, protagonista de Crime e Castigo de Dostoievski, do que para Robin Wood. Um misto dos dois? Pode ser, afinal, ele não tinha o comprometimento ideológico de Raskolnikov e nem o protagonista de Crime e Castigo tinha o garbo e elegância de Dillinger.
Convenhamos que pouca gente roda uma cena de ação como Michael Mann, se com Miami Vice ele perdeu a mão, com Inimigos Públicos ele retoma suas seqüências de ação de maneira espetacular.
Uma das melhores cenas do filme é aquela em que o Inimigo Público número um dos Estados Unidos entra na cadeia e dá uma olhada no gabinete da polícia construído especialmente para pensar em como prendê-lo. Fala com os policiais e ninguém percebe que se trata dele.
O melhor Batman, na minha modesta opinião, de todos os tempos, Christian Bale, está perfeito no papel que exige a mesma frieza do cavaleiro das trevas. Se aqui ele pode sair à luz do dia, sua falta de expressão é a mesma daquela usada por ele durante a noite.
Marion Cottilard, a maravilhosa intérprete de Edith Piaf em Piaf – um hino ao amor, apesar de estar em um papel bem menor, está muito bem como a amada do bandido galã.
Não vemos no filme grandes indagações, o protagonista não parece ter um leitmotiv. Mas quem disse que tudo tem que ter?
Dillinger me causa a mesma sensação que uma frase de uma das personagens de Clarice Lispector: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
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