Conteúdo interessante desperdiçado em mãos não talentosas
Ranulph Fiennes (não confundir com o ator Ralph Fiennes!) publicou em 1991 o livro The Feather Men, contando sua trajetória no exército britânico, incluindo no SAS (Special Air Service), onde ele e mais três integrantes foram atacados por um grupo armado. Os Especialistas se utiliza de um fato isolado deste romance – a morte de um filho de um milionário Xeique pelo autor do livro – para estruturar sua trama. Nela, este mesmo xeique contrata Danny (Jason Statham) para vingar a morte de seus três filhos, vítimas da Guerra em Omã. Estes assassinos que fazem parte da SAS, dentre eles o próprio Fiennes, serão perseguidos pelo grupo formado por Danny, Davies (Dominic Purcell) e Meier (Aden Young). O ponta-pé inicial da trama, além de uma ótica inversa ao tema abordado pelo livro – já que Fiennes, interpretado por Dion Mills, tem uma participação minúscula – se utiliza basicamente da ferramenta denominada McGuffin, conceito criado por Alfred Hitchcock para descrever uma trama onde seu objetivo final (um elemento material, por suas palavras), na verdade não é o ponto principal, mas sim, o instrumento que locomove a trama. É o caso de Os Especialistas, onde o pedido do xeique (inverossímil, apesar da explicação superficial) surge com a única função de nos mergulhar em um mundo repleto de investigações, assassinatos forjados, corporações armamentistas e planos repletos de armadilhas, residindo aqui, os principais méritos do longa.
O roteirista estreante Matt Sherring consegue incrementar em seu trabalho um conteúdo interessante, ao anexar nessa plote que o livro de Ranulph Fiennes lhe proporciona, atestados investigativos e até certo ponto políticos, causando primariamente uma ligeira surpresa por parte da abordagem do diretor Gary McKendry, também estreante em longas-metragens (dirigiu o curta indicado ao Oscar, Everything in This Country Must), que em sua metade inicial quase nos faz esquecer que estamos assistindo a um longa de ação, seja pela fotografia de Simon Duggan (Eu, Robô) que varia em tonalidades decrescentes – do amarelado até azulado – e até mesmo de claras influências que McKendry retira da obra-prima Munique de Steven Spielberg. Entretanto boa parte dessas escolhas acertadas acabam sendo sucumbidas por uma excessiva dose de ação, restringida pela figura de Jason Statham estrelando a produção. Não que fosse de esperar algo diferente de um filme estrelado pelo careca – que confesso gostar de boa parte de seus trabalhos – o problema é que o início do longa nos leva a crer que encontraremos algo diferente de sua filmografia (como o bom Efeito Dominó). Pois bem, fato é que a partir de determinado momento fica claro que a abordagem até então compatível entre roteiro e direção vai por água a baixo. O fraquíssimo McKendry passa a apostar completamente em sequências de ação, com Statham fazendo seus malabarismos, fugas e golpes improváveis. O resultado direto é que deixamos então de acompanhar a narrativa do longa com propriedade, onde entender o porquê de determinada escolhas e sub-tramas, se torna uma tarefa quase impossível. Sobre as cenas de ação, McKendry emprega planos irritantemente fechados, que associados a montagem esquizofrênica de John Gilbert (O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel), fazem destes os piores momentos do longa, como na pancadaria entre os personagens de Owen e Statham, que jurei enxergar cerca de 39 ‘alter-egos’ para cada, tamanha a bagunça do enquadramento utilizado pelo diretor.
Consequentemente é lamentável presenciar o aprofundamento irrisório de Danny, vivido no piloto automático por Jason Statham. Se em sua metade inicial, o roteiro consegue se dividir em quatro frentes: Statham; Purcell; De Niro/Young; Owen – com o protagonista chegando a ficar vários minutos fora de cena! – posteriormente se perde, e passa a focalizar excessivamente em Danny, propositalmente para a ênfase nas sequências de ação, onde podemos constatar, por exemplo, quando somos apresentados ao seu par romântico, Anne (Yvonne Strahovski), totalmente irrelevante para o decorrer da narrativa. Assim Statham se transforma no ‘herói’ do longa, entregando-nos de antemão que seu personagem sairá obviamente como ‘vencedor’ em todas situações em que se envolver. O problema é que no final percebemos que Danny é o personagem mais desinteressante da produção, mesmo que Robert De Niro sirva apenas como parte do McGuffin e Aden Young (A Árvore), apesar de estar em uma atuação promissora, acaba tendo menos participação, porém é inegável não afirmar que os personagens de Dominic Purcell e Clive Owen sejam infinitamente mais entusiasmante e interessantes. O primeiro, pouco nos lembra de seu Lincoln Burrows da série Prison Break, seja por sua caracterização (que bigode!) como também por sua notável imposição. Ao mesmo tempo, e com muito mais intensidade, Clive Owen entrega um Spike com uma extrema capacidade de indução e autoridade, repleto de grandes momentos – como suas reuniões com seus ‘parceiros’ –, que apesar da caracterização sem criatividade (olho de vidro foi demais…) consegue graças ao talento do ator uma força incrível, em um outro bom desempenho no ano de Owen (Confiar, dirigido por David Schwimmer), fazendo com que a partir de determinado momento torçamos para sua trajetória na trama, e não pelo herói-careca – e Matt Sherring claramente percebe, tentando adequar seu roteiro a esse quesito, mas não consegue.
Os Especialistas acaba desperdiçando sua boa metade inicial, rendendo-se a uma abordagem incoerente com o conteúdo que vinha sendo explorado. Mesmo construindo personagens fáceis de serem adotados pelo público, inclusive Statham até certo ponto, falta talento ao diretor estreante Gary McKendry, que dessintonizado com seu roteirista, não consegue sustentar seu longa por quase duas horas, seja pelas horríveis cenas de ação, mas principalmente pela desvirtuação que provoca em seu próprio produto, já que no começo esperamos um longa de ação stathantiana, que se transforma em um surpreendente thriller investigativo, para depois retornar a uma abordagem padrão de um filme de segunda categoria.
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