Rei George tem sua fala engasgada por uma trama limitada, mas que ainda assim, triunfa graças á ótimas atuações.
A disputa pelo Oscar parece estar guardada somente para dois concorrentes. E não são a toa que “A Rede Social” e “O Discurso do Rei” sejam tais produções, já que ambas, apresentam conclusões semelhantes, e mesmo que suas técnicas refinadas acabem falando mais alto, são limitados por tramas, digamos, simples.
O número de paralelos com o trabalho de David Fincher será grande, então não se assuste. Esta trama limitada, obviamente está ligada ao fato de serem histórias verídicas, onde, ao mesmo tempo em que Fincher acaba ficando preso por uma história que poderia muito bem ser retratada em um documentário, Tom Hooper aqui, em ‘O Discurso do Rei’, consegue arrastar uma narrativa por quase duas horas, tendo como seu clímax o Rei George finalmente conseguindo falar fluentemente.
Deixando um pouco de lado ‘A Rede Social’, mas lembrando que muito dos atributos elencados aqui, também se encaixam no trabalho de Fincher, o diretor Tom Hooper em ‘The King’s Speech’ consegue fazer milagres, ao pegar uma boa premissa e transformar em uma obra confortável e agradável, mas que claramente, não consegue ultrapassar estes níveis.
Quando seu irmão, o Rei Edward VIII (Guy Pearce), abdica a coroa para se casar com uma americana, George (Colin Firth) é forçado a se tornar o novo monarca da Inglaterra. Mas o novo rei enfrenta uma complicada crise: sua gagueira nervosa o impede de ter uma voz de comando. Vendo a necessidade de se tornar um grande líder ele contrata o excêntrico fonoaudiólogo Lionel Logue (Geoffrey Rush) para ajudá-lo a ser o rei que seu país precisa para enfrentar a iminente Segunda Guerra Mundial.
Então tendo como sua grande conquista e clímax já preestabelecido – não gaguejar em discursos –, o roteirista David Seidler acerta ao abrir arcos narrativos dramáticos eficientes, dando ênfase ao convívio entre o fonoaudiólogo Lionel e Rei George, assim como deixar bem claro a situação em que a Inglaterra começava a se encontrar (posteriormente o país entraria em Guerra com a Alemanha Nazista). Talvez o que mais tenha faltado a Seidler, seja explorar de uma forma mais intensa o conflito entre George e seu irmão (interpretado pelo ótimo Guy Pearce), como também, acrescentar ainda mais a personagem de Helena Bonham Carter a história central. Seidler chega a abrir algumas arestas, como explorar o convívio ainda na infância entre os irmãos postulantes ao trono, porém, no meio do caminho parece querer deixar de lado. O mesmo acontece com Rainha Elizabeth, que desde o começo, sempre se mostra como uma figura importantíssima e de grande apoio para George, porém, não consegue passar dimensionalidade suficiente ao ponto de harmonizarmos seus sentimentos.
Mesmo tendo seu ritmo balançado por sua trama, em momento algum nos sentimos distantes dos personagens principais, sobretudo, graças ao incrível trabalho impecável de Colin Firth e Geoffrey Rush, proporcionando cenas cômicas, fortes e acima de tudo, com uma química invejável. Firth, o provável vencedor do Oscar de Melhor Ator, consegue imprimir grande verossimilhança aos gaguejos do Rei George, e não somente nestes momentos, mas como também, em modificar seu tom de voz mesmo quando sua fala não é afetada. Geoffrey Rush que há muito tempo não ganhava um papel deste porte, consegue se sair melhor que seu parceiro, trazendo todo o tom cômico do filme, incorporando Lionel como um ‘doutor’ um tanto quanto diferente, entretanto, sempre demonstrando ter total controle da situação. Helena Bonham Carter, como já mencionado, recebe uma personagem com pouca abertura, tendo que a todo o momento expressar sentimentalismos para que tal diferença seja equilibrada. A atriz não se sai mal e consegue, se não acompanhar com a mesma desenvoltura seus parceiros, entregar uma atuação eficaz.
Utilizando primordialmente uma fotografia esbranquiçada, resultado das intermináveis neblinas que percorrem o território inglês, Danny Cohen realiza muito provavelmente a melhor fotografia do ano, empregando tons sempre palpáveis nas tomadas externas (o momento em que Rush e Firth caminham em torno de uma estrada é sublime), como internamente, ao saber explorar de forma brilhante o incrível trabalho de Direção de Arte, aliás, também a melhor do ano. Estilizando muito bem a época (por volta de 1920), Netty Chapman realizador do espetacular trabalho artístico em “Desejo e Reparação” consegue impressionar ao transformar as belas tomadas em circuitos muito bem coreografadas e empregadas de maneira primorosa.
Em um dos melhores anos de sua carreira, o compositor Alexandre Desplat realiza outro trabalho exuberante ao construir arpejos significativos, dando grande ênfase à sonoridade de pianos e teclados, entregando uma trilha sonora interminável e onipresente. Só neste ano, Desplat compôs “Harry Potter e As Relíquias da Morte: Parte 1” e “O Escritor Fantasma”, trilhas que figuraram nas listas de melhores do ano.
Trazendo agora de volta a lembrança de ‘A Rede Social’, ‘O Discurso do Rei’ consegue se sair superior, isso, graças a atuações infinitamente melhores – muito provavelmente as melhores do ano (Firth e Rush) – como também, consegue como um todo, um resultado muito mais satisfatório. O filme de Tom Hooper não é o melhor do ano, porém, cada dia vem se tornando o maior favorito ao grande prêmio da Academia. Limitado por sua história sem muitos desvios, “O Discurso do Rei” não atinge um nível de obra-prima, mas com certeza, deve figurar entre os grandes filmes do ano, e desde agora, o favorito para abocanhar o maior número de estatuetas.
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