A paixão pelo cinema é o que move La Nuit Américaine, clássico da Nouvelle Vague dirigido por François Truffaut. É a paixão pelo cinema que faz o diretor Ferrand, interpretado pelo próprio Truffaut – em um claro alterego de sua própria persona - , a suar e sangrar pela filmagem de seu novo longa. É ela também que faz o diretor sonhar com o roubo de pôsteres de Citizen Kane, posto culturalmente como símbolo máximo de excelência na arte cinematográfica pelos críticos de cinema da revista Cahiers du Cinéma, seleto e notável grupo do qual Truffaut fazia parte.
La Nuit Américaine põe em primeiro plano aquilo que o cinema geralmente opta por esconder. E na visão de Truffaut, dos maiores entusiastas que a sétima arte já viu, não há razões para fazê-lo. O público, acostumado com uma visão completamente romantizada da indústria cinematográfica, idealiza cada um de seus componentes. As estrelas do cinema são, assim, de certa maneira, desumanizadas. Diferentemente do que acontece no filme, não imaginamos os atores inseguros de si mesmos, com crises depressivas ou traindo seus companheiros. A tela do cinema não é apenas verossímil. É natural. É a própria projeção da realidade. A plateia jamais sonharia que nas filmagens de Je Vous Présente Paméla (título do filme dentro do filme) foram necessárias várias tomadas para que fosse captada a imagem de um gato bebendo leite em uma tigela.
La Nuit Américaine está ali a mostrar, a todo tempo, o processo de adulteração de tudo aquilo que se supõe ser real. Vemos a neve artificial, o dublê, o truque da vela e as falas mal decoradas e mesmo assim a magia daquilo tudo não se esvai. O cinema, esse dia transformado em noite, não se apequena pela exploração de seus bastidores. Ao contrário. Todas as inúmeras dificuldades do processo de filmagem fazem parte de sua própria beleza. Ao final, um repórter, no ápice do jogo metalinguístico arquitetado por Truffaut, numa coletiva de imprensa referente ao lançamento do filme, pergunta a um dos atores:
- Me diga, foi difícil fazer esse filme? Soube que tiveram muitos problemas.
Ao que ele responde, como uma confissão direta e irônica de Truffaut aos amantes do cinema:
- De jeito nenhum! Tudo correu bem.
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