PODEMOS CONSIDERAR CHEETAH UM ANIMAL ATOR OU UM ATOR ANIMAL? E DIANTE DO QUE O CINEMA NOS OFERECE HOJE? DIANTE DE UM TARANTINO, POR EXEMPLO?
Uma das grandes chagas da velhice são as limitações físicas advindas do desenrolar dos anos. Hoje percebo que se não cometi grandes desvarios no tocante aos excessos cometidos contra meu físico, em relação a drogas, noitadas, glutonarias ou libidinagem, também não tive o hábito salutar dos exercícios físicos, que talvez tornassem o meu hoje algo mais suave. No entanto em realidade nesses meses fiquei mais travado e não é que a possibilidade de partida desse ente fez com que afluxo de parentes presentes na residência, bem como as atenções dirigidas a minha pessoa aumentasse. Paparicado resolvi aproveitar e solicitei entre outras coisas, filmes bons para assistir, de preferência aquilo que já fez a minha alegria no passado. E assim pude rever os “Tarzan” que fizeram a alegria da minha geração.
Começarei traçando algumas linhas a respeito desse que é o segundo filme daquilo que constituiu o ciclo Weissmuller. Dirigido por Cedric Gibbons (foi Diretor do Departamento Artístico da MGM por décadas) que se aventurou pela primeira e única vez dirigindo. Em relação ao primeiro filme temos aqui um mais alto investimento que permitiu cenas de ação mais amplas e elaboradas, procurando dessa forma suplantar em qualidade o primeiro filme.
A história se desenrola um ano após a sequência anterior. Jane Parker vive nesse inusitado paraíso florestal ao lado de Tarzan e de Cheetah (um chimpanzé domesticado). A paz do local é quebrada pela chegada de um caçador amoroso de Jane (Harry Holt) que retorna a selva e organiza uma expedição em busca de marfim com o inescrupuloso e falido Martin Arlington. Ambos buscam o lendário cemitério dos elefantes e enfrentam vários perigos como animais ferozes e tribos hostis (e até canibais). Cercados por um grupo de gorilas em um desfiladeiro são salvos pela chegada inesperada de Tarzan. Harry Holt (amigo e enamorado de Jane) busca persuadi-la com mimos da Civilização a retornar a Inglaterra. Ao mesmo tempo espera dela que convença Tarzan a leva-los ao ignoto Cemitério. Como esse se mostra arredio e totalmente contrário a empreitada, Martin ao tentar assassiná-lo o fere.
Se a história não prima pela originalidade, os elementos que asseguram o divertimento estão garantidos: a perfeita alquimia do par central, combate com animais ferozes, a presença de Cheetah. Se hoje algumas soluções soam ultrapassadas, temos de levar em conta jovens, que é preciso ter o olhar da época (assim releve alguns estereótipos raciais e os figurantes com roupas de gorilas pouco convincentes).
Por outro lado, o erotismo alcançado nessa produção não mais retornaria nos filmes seguintes. Um erotismo natural, sem exageros, inteligente. A começar por Jane se servir de um generoso biquíni que lhe realçava as formas antes de uma cena de banho onde a atriz surge inteiramente nua (uma double em realidade). Sequência essa filmada em três tomadas distintas: vestida sensualmente, de topless e inteiramente nua; e que os censores da época mutilaram devido a pressão da censura. Ainda assim o resultado na garotada foi imenso. Exalava-se a sensualidade e os hormônios de nós adolescentes ficaram a flor da pele. Hoje com a cena já restituída a sua integralidade, o efeito sobre esse que vos escreve é apenas de saudade. O corte exerceu mais influência do que a versão restaurada. Essa em sua integridade causa-me grande satisfação enquanto esteta e cinéfilo.
A relação entre Jane e Tarzan mudará nos filmes seguintes. A sexualidade será posta de lado e o que veremos é um companheirismo longe da realidade que ocorre entre um homem e uma mulher. Esqueçam a idiotice feita com Bo Derek. Falo apenas da série Weissmuller. O sensual biquíni dará lugar a um maiô inteiriço bem menos revelador e que se assemelharia a um saco de arroz ou batatas. Exigência da estúpida liga da virtude. Bem como do surgimento de Boy, uma criança adotada, por força do estabelecimento do Código Hays. Esse filme e o anterior agradavam as plateias de todas as idades, apesar de nitidamente terem sido endereçados a um povo mais adulto. Os posteriores serão inofensivos divertimentos para a família (bem realizados em verdade).
O elenco se conduz de forma harmônica, apesar de limitados por alguns diálogos monossilábicos, Weismuller possuía o phisique du role para o papel. Musculoso e esguio na maneira correta para o papel. Maureen O’ Sullivan carregava consigo o frescor, a fragilidade, o humor e a sensualidade na medida certa para dar vida a Jane Parker. Cheetah e suas estripulias divertiam os jovens, ainda que aqui sua presença fosse diminuta em relação aos filmes posteriores. O chimpanzé ganhará mais espaço, justamente para cobrir o vazio trazido por uma censura burra.
Aproveito agora para responder de forma definitiva aqueles que julgam ser Cheetah um ator. Questão essa através da qual abri o referido escrito. Para mim a resposta é óbvia. É um animal (ou vários, existe a possibilidade de terem sido muitos os animais no papel durante a série). Adestrado, treinado, não possui em si a noção racional do que fazia. A proeza de dotá-lo de sentimento nasce da forma como as cenas foram abordadas. Divertiu-me, diverte-me; e eu o acreditei ser fêmea durante vários anos (bem como a Lassie). Parabéns as equipes de filmagem e ao Criador que nos dotou da capacidade de sermos iludidos. Lógico que essa minha visão de não o considerar um ator fraqueja diante do que o cinema nos apresenta hoje como representantes da arte da interpretação. Tarantino em cena por exemplo. Fixem-se na imagem apresentada em Django Livre. A inexpressividade em cena. Um Nasalis larvatus, com uma barriga proeminente, mas sem o charme do nariz. Digo enquanto ator, já que é um diretor de talento e um roteirista de grandes possibilidades (ainda que utilize isso de forma errada). E existem outros que se julgam atores. Mas nos fixemos apenas nele como exemplo. Ainda que assim a defesa da visão daqueles que considerem Cheetah um ator nos soe mais coerente a minha resposta permanece a mesma. Para ambos os casos. Não se tratam de atores. Ainda que o futuro (e Darwin) teime em provar que Cheetah um dia possa sê-lo. Já Tarantino...
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