REBOOT = $$$$$$
"Reboot" em tradução direta significa REINICIAR. É um termo do mundo do cinema usado para diferenciar de REFILMAGEM. O Robocop do ano de 2014 é um reboot, ou reinicialização, do filme original de 1987, dirigido pelo holandês Paul Verhouven, e já considerado um cult/clássico do gênero ação/ficção-científica. Importante fazer essa distinção para se entender o contexto em que o filme atual foi filmado. Portanto, trocando em miúdos, reboot significa que o filme é INSPIRADO no original, mantendo pelo menos o personagem principal e uma boa parte da trama, mas podendo inovar, excluíndo ou acrescentando outros elementos à história. Dessa maneira, não há compromisso de ser fiel com o filme original, como deve acontecer na refilmagem (mesmo que nessa modalidade também se admitam mudanças pontuais que não alterem a trama).
Sendo sincero, os estúdios reiniciam histórias de sucesso de seus portifólios por uma única razão: LUCRO. Evidente que esta já é a razão de suas existências. Mas se engana quem acredita que reiniciar um roteiro de sucesso seja uma escolha criativa. Até poderia ser, mas infelizmente nunca foi essa a intenção de Hollywood. Até porque, nada mais criativo do que um roteiro completamente novo e inexplorado.
O que pode gerar um bom lucro nos reboots é justamente a possibilidade de utilizar como instrumento de marketing, e também como elemento do roteiro, a história e o prestigio da obra original. No caso de Robocop, um dos maiores casos de sucesso do cinema, 27 anos após a obra inicial, cujo roteiro sempre foi essencialmente comercial, o lucro é quase certo. Aliás, é importante que se diga: o sucesso do primeiro Robocop, surgido de um roteiro a princípio rejeitado e com ares de trash, foi uma grande surpresa, inclusive pela dificuldade de sua execução. Somente Peter Weller (o ator do Robocop original) sabe o que passou dentro da armadura antes e durante as filmagens.
Mas afinal de contas, o novo Robocop deu conta do recado, se apoiando no prestígio do primeiro? Acredito que sim, apesar de ser, como já bem explicado, uma empreitada puramente comercial. O roteiro é bom demais para dar errado e felizmente o diretor brasileiro José Padilha não errou a mão. Não que isso fosse muito possível dentro de um orçamento de 100 milhões de dólares (que começou em 60) e, portanto, com os executivos do estúdio controlando tudo com rédeas curtas, INCLUSIVE A LIBERDADE CRIATIVA DO DIRETOR, se é que ela existiu ou se fingiu-se que ela existiu. Houve rumores de que Padilha teria confidenciado a outro diretor brasileiro que sua experiência em Robocop foi a pior da sua vida e que de cada dez sugestões que fazia, apenas uma era acatada, inclusive a intenção de que o filme tivesse mais violência como no original, o que logo foi descartado após o orçamento estourar e o estúdio temer prejuízos: a classificação ficou em 13 anos de idade.
Sejamos sinceros: alguém acreditou que o diretor brasileiro teria liberdade criativa para criar um novo Robocop, como os fãs de Tropa de Elite sonhavam? Era sonhar demais. Ainda mais de um diretor com poucos filmes no currículo e estreando em Hollywood para dirigir um blockbuster internacional.
Importante frisar que a participação pátria não se limitou a direção (e roteiro não creditado). O diretor brasileiro conseguiu levar profissionais que costumam trabalhar com ele atrás da câmeras, como o fotógrafo, o editor e o diretor de som, portanto, o núcleo básico principal formado por brasileiros.
Abordando o filme em si, foram acrescentadas algumas interessantes novidades. A principal é a inversão de uma premissa chave da vers'ao original e que tem a ver com a época em que cada um foi filmado. No filme de 87, como é sabido, para se resolver a falha dos primeiros protótipos de robôs policiais, introduziram no projeto o elemento orgânico, que obviamente foi o corpo do policial destroçado pelos bandidos. Ou seja, no primeiro filme, de um projeto que se baseava em robôs, descambou-se para um projeto de cibórgues, ou seja, parte máquina, parte humana; sendo que a parte humana seria justamente aquela responsável pelo bom funcionamento e sucesso do "robô policial".
Já no novo Robocop, inverte-se, curiosamente, essa narrativa. Já no início do filme é mostrado o sucesso que os robôs militares desempenham no exército norte-americano. A inserção do elemento biológico dentro das máquinas - considerado como retrocesso - foi apenas a forma que a empresa que os produzem encontrou para burlar a lei do país que não permitia que esses robôs atuassem dentro de suas fronteiras, pelo temor que a falta do elemento moral nessas máquinas representasse um perigo, e não uma solução para os cidadãos. Nesse meado, o filme desenvolve a premissa no embate entre o homem falível e a máquina perfeita que não hesita e não comete erros, em contradição com a realidade da robótica na década de 80, ainda incipiente - diferente da atual, em pleno processo de desenvolvimento e "confiante".
Ninguém duvida, e o roteiro faz essa projeção, de que nos próximos anos, ou no máximo em uma década, esses robôs militares estejam em uso - o grande mote dessa nova versão, juntamente com os acréscimos de ordem científica e filosófica envolvendo essa questão da máquina e a consciência humana, tudo muito bem apresentado pelo sempre ótimo Gary Oldman fazendo o papel de cientista chefe da empresa.
No resto é mantido o contexto do primeiro Robocop: o personagem principal, agora com uma armadura mais leve e atualizada; o já citado embate entre homem e máquina; a corrupção policial - o que talvez tenha sido o motivo de escalarem José Padilha, em referência a Tropa de Elite -; a mídia manipuladora: com ideologia de direita e brilhantemente interpretado por Samuel L. Jackson; e o vilão "chefão". E claro, que o Robocop buscará vingança.
No entanto, essas inovações, apesar de expandirem e até apronfundarem questões que ficam nas entrelinhas na versão original , nem de longe tem o charme, a violência e a sátira do primeiro, inclusive com as características que só aquela época e aquele diretor poderiam proporcionar. No fundo, na minha visão e acredito que na dos fãs também, o sucesso do primeiro se deve àquela áurea dos anos 80, àquela violência descompromissada de um filme que tenderia a ser trash ou lado B, e àquela visão de cibórgue pesado, mecânico, e não tão humano como o moderno. Além de tudo isso, o uso de computação gráfica em grande medida no novo Robocop, serviu para anular ainda mais o charme do realístico primeiro Robocop.
Diverte, faz pensar e relembrar o clássico de 1987, mas não consegue ir longe.
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