A QUEBRA DO PARADIGMA DO CINEMA NORTE-AMERICANO NO BRASIL
Talvez alguns discordem, principalmente quem prefere assistir filmes fora de Hollywood, se é que seja possível o cinéfilo se manter fora desse mercado, mas é fato incontestável que há muito tempo o cinema norte-americano, com sua grandiosidade, influencia decisivamente a forma de se fazer cinema no mundo. E essa influência é bem perceptível, ainda mais no circuito comercial de qualquer país. Ou seja, pegando o Brasil como exemplo, a maioria dos filmes feitos aqui por brasileiros seguem estilo e forma do cinema estadunidense. O que é uma breguice, diga-se de passagem. Mas era esta, infelizmente, a realidade no Brasil. Filmes paupérrimos querendo imitar o cinema norte-americano, mesmo os longas mais independentes (supondo que esse tipo de produção seja possível aqui). Já os filmes comerciais dispensam comentários, pois são um festival dos principais clichês de lá, o que não apenas os tornam horríveis como também patéticos. Aliás, se fossemos falar de Globo Filmes renderia um texto próprio repleto de adjetivos depreciativos que prefiro não comentar aqui. Curiosamente - ou não - a Globo Filmes ajudou a produzir Aquarius, o que talvez sirva de alguma redenção para essa execrável produtora. Portanto, tendo em vista o mercado cinematográfico brasileiro e a sua programação televisiva, pessoas como eu, na faixa dos 30 anos e ainda os mais jovens, cresceram tendo como referência o cinema feito na América do Norte ao ponto de nossa cultura contemporânea estar intimamente ligada e já ter absorvido muitas de suas influências. Desde os nomes de batismo, empresas, e até mesmo sobre a própria concepção de cinema. No entanto, ao meu ver, Aquarius veio para quebrar esse paradigma.
Justiça seja feita, isso não começou com Aquarius. Felizmente, nos últimos tempos, o cinema nacional vem experimentando uma melhora significativa na qualidade técnica e narrativa. Claro que é ainda uma minoria, porém mais vigorosa do que em outros tempos. O próprio diretor de Aquarius já tinha conseguido isso com seu igualmente instigante e elogiado O Som ao Redor (2012). A questão é que nenhum desses filmes, inclusive este último, tinha alcançadodo o resultado com tanta relevância - e também burburinho - como Aquarius conseguiu.
Com isso não estou negando nosso passado cinematográfico. Claro que houveram os expoentes de outrora, como o injustiçado Walter Hugo Khouri e seus filmes dramáticos/eróticos. No entanto, nosso cinema sempre foi reconhecido pela notável precariedade, mesmo que não se admita.
A admiração que tenho por Aquarius é justamente essa de, finalmente, o cinema brasileiro produzir um trabalho original, porém de NOTÁVEL QUALIDADE; técnica inclusive. Som (incluindo a marcante trilha sonora), imagem, figurino, cenário, narrativa, direção segura e uma belíssima história. Coisa que o cinema de Hollywood já faz há 40 anos, pelo menos. Os mais saudosistas aumentariam em muito essa minha conta.
E como é bom poder assistir no cinema uma verdadeira OBRA-PRIMA BRASILEIRA com toda essa identificação natural que nos traz! Lobotomizados que somos pela overdose das fitas estrangeiras, com Aquarius encontramos - aleluia! - nossa ORIGEM, O NOSSO CINEMA! E que orgulho!
O idioma é o nosso belo português, sem margem para traduções equivocadas ou inexatas pela própria barreira cultural. A cultura retratada, portanto, diálogos, humor, argumentos, também são plenamente assimilados, assim como os cenários naturais - do lindo litoral Recifense -, trilha sonora, moda e até trejeitos dos atores. Não parece que o filme veio "de outro planeta", como nos longas estrangeiros que nos acostumamos.
Tudo isso soaria até bizarro para um norte-americano acostumado a vivenciar a própria cultura no cinema. Porém, no país das Organizações Globo, finalmente assistir um filme como Aquarius e seu jeito original de contar a história, até causa espanto. Ainda mais quando outros títulos nacionais americanizados, mesmo que explorando nossos problemas sociais, são vendidos como os melhores feitos cinematográficos pátrios. E cabe aqui outra provocação que, vindo de um cinéfilo desconhecido, soará inofensiva: o cinema de Kleber Mendonça Filho deve causar tremores de inveja em certos diretores brasileiros figurões e de talentos duvidosos. Não conseguem fazer um cinema original como o de Aquarius. Até pelos motivos já explicados; quando vão filmar, partem de uma concepção hollywoodiana de cinema. Criatividade advém do talento. E nenhuma fortuna do mundo compra essa qualidade. Como curiosidade, dois desses diretores produziram Aquarius (procurem saber).
Por fim, gostaria de frisar outro aspecto que considero muito importante nessa obra, que é a sua capacidade, também paradigmática, de provar que de pequenos contextos, aparentemente banais, é possível contar uma grande história. Soa óbvio, mas pouco colocado em prática, inclusive na Terra do Cinema (EUA). Aquarius prova, até como uma continuidade de O Som ao Redor (reaproveitando muitos personagens e aparentemente tendo o mesmo bairro em que se passa o primeiro filme) que em qualquer rua, esquina, casa ou bairro, existe uma boa história intimista para ser contada, sem necessidade de roteiros mirabolantes, efeitos especiais ou qualquer macaquice. Desde, evidentemente, que o roteiro seja consistente, tenha mensagens relevantes para passar e que seu diretor saiba exatamente o que está fazendo, a exemplo de Mendonça Filho, que escreve e dirige seus filmes. Neste longa, os temas abordados são memória, família, velhice e mercado imobiliário. Outra marca de seus filmes, que é revelar talentos, também ajuda muito quando pode contar com a presença de astros, como a inspirada protagonista Sônia Braga e o sempre excelente Irandhir Santos.
O azar de Aquarius, a despeito de todos os elogios de crítica e público, foi terem misturado arte com política. Não no filme, mas nos festivais, em Cannes propriamente dito. A realmente lamentável atitude do diretor, atores e atrizes de se aproveitarem dos holofotes do festival para protestarem à favor do governo corrupto que estava prestes a cair por aqui - o que provavelmente se explica pelo fato do filme ter sido bancado com recursos públicos - acabou por ser um tiro no pé e que talvez tenha custado um inédito Oscar de melhor filme estrangeiro para nosso cinema. Que pelo menos o diretor tenha aprendido a lição.
Finalizo afirmando: que bom se todo país tivesse seu AQUARIUS!
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário