HQs, ao serem adaptadas ao cinema, devem ter, sobretudo, altíssimos índices de ação, uma direção firme e um roteiro criativo e cuidadoso. Quando essa HQ é de um gênio como Alan Moore, a direção é dos sensacionais criadores de Matrix (Andy e Larry Watchowsky), um roteiro alucinante e, de brinde, um elenco formidável, surge um espetáculo como esse “V de Vingança” (V for Vendetta, 2006).
Em um futuro próximo, a Inglaterra vive um governo autoritário e repressor. O mundo não está com a cara atual, os EUA são chamados de Antigos Estados Unidos e vive na miséria. Nas ruas inglesas, o preconceito contra homossexuais e negros impera, e, entre as 22h30 e 5h30, o toque de recolher é a lei. E é nesse período que a protagonista Evey (Nathalie Portman) sai num dia quaquer para encontrar uma pessoa. Então, ela é abordada pelos “Homens-Dedo”, responsáveis por fiscalizar as ruas durante o período de recolhimeto. Os homens, tentando estuprá-la, são surpreendidos pela aparição de nosso herói mascarado, “V” (Hugo Weaving), que salva a moça. Como retribuição, ela aceita ir assistir com ele a um “concerto musical”. Na verdade, trata-se do show do ataque terrorista ao Old Bailey, o maior símbolo de poder da nova Inglaterra. É só o início da revolução proposta por V, que tem o objetivo de acabar com o regime totalitário inglês e de que a população fique ao seu lado na construção de um Estado novo. Para isso, ele convoca o povo inglês para um novo atentado, no dia 5 de novembro do ano seguinte.
O filme é de uma complexidade evidente. Não é qualquer um que consegue compreender as idéias revolucionária de V, e também não é qualquer um que as aceita. Trazer um herói como V aos cinemas, que usa a violência para alcançar seus ideais, é marca da coragem dos irmãos Watchowsky que, além disso, gostam muito da idéia de fazer filmes baseados no futuro. V utiliza as mais variadas formas de fazer sua revolução, com atentados terroristas, assassinatos e seqüestros. Mas, por trás desse “cruel criminoso”, há um homem. Um homem que luta pela vingança de seu passado. Contra aqueles que o trancafiaram e o usaram paras testes com armas nucleares. Contra aqueles que roubaram parte de sua vida, que o obrigaram a cobrir cada parte de seu corpo, a viver escondido, para não assustar as pessoas. Seu desejo de vingança é justificável, pois não há pessoa no mundo que aceite passivamente um atentado contra si mesmo. Seus meios não são os mais adequados, mas os fins são absolutamente humanos.
A palavra “vingança” raramente vem separada da palavra “ódio”. E não é em “V de Vingança” que elas desatam. V tem ódio das pessoas que o fizeram viver uma vida diferente daquela com que todos nós sonhamos, e transporta esse ódio para o desejo de libertar a Inglaterra das mãos daqueles que o fizeram passar pelas maiores provações de sua vida. Evey teve seus problemas na infância com os pais, que foram mortos pelo governo, mas seu sentimento de ódio é acalorado por V, que exerce em sua vida um influência imensa, transformando-a em sua cúmplice. Essas personagens completamente esféricas só ganham a vivacidade apresentada no filme pela escolha certa de seus atores. Hugo Weaving e Natalie Portman são excepcionais, mostrando uma química perfeita e uma dramaticidade maravilhosa, que, infelizmente, é incomum a filmes de ação. Hugo, que já trabalhou com os irmãos Watchowsky, mesmo usando uma máscara o filme todo, dá uma expressividade impressionante a seu personagem, através de gestos e movimento. Sua atuação é irretocável, sendo merecedora, na minha opinião, de uma indicação ao Oscar, pois eu nunca vi um personagem tão complexo ser tão bem interpretado. Outro elemento de destaque do elenco é Natalie Portman. Indicada ao Oscar de 2004 por “Closer - Perto Demais”, ela, ao lado de Weaving, dá outro show. Sua dramaticidade é espantosa e sua coragem também, visto que, para fazer quase metade do filme, ela precisou raspar o cabelo.
O elenco coadjuvante é quase tão seleto quanto os dois citados acima. O grande destaque é o tirano chanceler Adam Sutler, interpretado pelo fenomenal John Hurt, que se entrega completamente ao personagem, dando-lhe um realismo impressionante. É impossível não se arrepiar com seus pronunciamentos ao “seu” povo inglês. O detetive Finch, que tem o objetivo de capturar V antes do referido 5 de novembro, é interpretado com muita segurança por Stephen Rea, que não vinha fazendo bons papéis há um tempo. Há ainda o bom Tim Pigott-Smith, que ganha a grande chance de sua carreira ao interpretar com bastante correção o chefe de segurança Creedy.
“V de Vingança” ainda conta com uma trilha sonora e uma fotografia de causar inveja. Tudo isso acoplado resulta num filme absolutamente perfeito, inteligente e complexo, que deixa o espectador sem fôlego e com a atenção totalmente presa na tela durante seus 152 minutos de duração. Os irmãos Watchowsky conseguiram a proeza de fazer, senão o melhor, um dos melhores filmes de 2006. “Liberdade! Sempre!”
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