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Críticas

Cineplayers

O despertar de um jovem — e de um cineasta.

8,0

Paul Dano é um artista de trajetória bacana a se analisar em retrospectiva nesse momento, em que estreia na direção de longas-metragens. Desde Show de Vizinha e sua revelação ao grande público em Pequena Miss Sunshine, o ator nova-iorquino se baseou em papéis intimistas e personagens estranhos que refletem sua própria persona, física e psicologicamente. Por trás de sua expressão tímida se esconde um músico e ator (um contrassenso perante o senso comum), e um artista virtuoso, como ele viria a mostrar no cinema com uma atuação magnética em Sangue Negro. Essa combinação de (aparente) acanhamento e quebra de expectativa é, portanto, sua marca autoral, e peça-chave do sucesso de seu debute como cineasta em Vida Selvagem.

Adaptação do romance homônimo de Richard Ford, Vida Selvagem acompanha uma pequena família da década de 60 formada pelo casal Jerry (Jake Gyllenhaal) e Jeannette (Carey Mulligan) e seu filho adolescente, Joe (Ed Oxenbould). O patriarca é um homem jovial e firme, que convence a família a se mudar para a cidadezinha de Great Falls, Montana, onde tem um emprego modesto em um campo de golfe. Demitido por uma questão comportamental — que depõe contra si, mas também reflete um sistema social baseado no preconceito de classe —, Jerry recusa o emprego de volta por orgulho, e decide aceitar um novo posto como bombeiro de incêndios florestais em um local distante. Jeanette se volta contra a decisão do marido, dada a precariedade do salário, o perigo da profissão e seu afastamento obrigatório. Jerry parte mesmo assim, para o profundo desapontamento de Jeanette, que sempre cede aos seus desejos e decide que essa será a última vez.

Vida Selvagem é, portanto, um filme intimista sobre a ruína de um lar. E é com tocante introspecção que o verdadeiro protagonista da trama, o filho Joe, acompanha esse drama. O adolescente enxerga Jerry como um herói, mas segue de perto todas as suas falhas como profissional e marido. O pai se vai e Joe assiste ao mergulho de sua mãe em melancolia, assim sendo incapaz de condená-la (embora a julgue com a expressividade de um olhar ou franzir de boca) por se envolver com Warren Miller (Bill Camp, ótimo), um homem mais velho e mais bem-sucedido que seu pai. O trabalho de Ed Oxenbould (de A Visita e Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso)  é, mais uma vez, primoroso — e, de quebra, revela um grande trabalho de Paul Dano, que dirige o jovem como uma versão de si, pessoal e profissionalmente, em um encaixe perfeito com a trama. O ator-revelação só não se destaca em relação a Carey Mulligan, em mais uma atuação arrasadora que deve lhe render muitas indicações na próxima temporada de premiações.

Além da boa condução do elenco, Paul Dano mostra toda sua familiaridade com o projeto (roteirizado em parceria com sua esposa, Zoe Kazan) em todos os aspectos narrativos. A estrutura de Vida Selvagem muito se assemelha com sua trajetória como ator, conduzida em um tempo baixo interrompido por um clímax intenso, doloroso, porém íntimo e singelo. Soma-se a isso o fato de Wildlife (no original) ser um drama indie sobre um lar disfuncional rodado no interior dos Estados Unidos e percebemos que essa típica seleção do Festival de Sundance é como a maioria dos filmes estrelados pelo cineasta. O que não é um defeito, mas uma escolha segura, haja vista a condução firme do longa-metragem e a perfeita representação visual de estados psicológicos variados dos personagens, como a cena em que Joe surpreende uma briga entre os pais e a câmera espreme Jerry e Jeanette no quadro, como se suas cabeças raspassem o teto e eles não mais coubessem dentro da mesma casa. Mas é nos planos abertos do filme, lindíssimos, que Paul Dano representa a juventude e a pequeneza de Joe como significado do que é desbravar um mundo grandioso no momento em que um segundo cordão umbilical se rompe, repentinamente, e o ser humano desperta para uma nova vida — a verdadeira, a selvagem.

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

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