Se alguma coisa salva o projeto do fracasso, além da ótima interpretação de Max von Sydow, é a direção segura de Zanussi.
Vindo de uma longa geração de diretores poloneses influenciados por Andrzej Warda, o cinema de Zanussi se caracteriza por personagens mais racionais que emocionais, sempre em busca de resolver algum dilema moral. Porém, neste filme vemos uma situação diferente, personagens impulsivos e imediatistas, sem nenhum questionamento moral para suas ações e envoltos numa esfera que os livra que qualquer obrigação racional aparente, a da arte.
O filme se foca em Henry Kesdi, um compositor de música clássica polonês, considerado o maior gênio de sua geração, que, após a 2ª Guerra, se refugiou em Copenhague e se recusou a continuar seu trabalho, e um jovem músico de Cracóvia. Este jovem têm tido recorrentes sonhos, onde ouve rápidas e repetidas melodias que não consegue identificar, mas sente que elas pertencem à uma obra inacabada de Kesdi, e decide ir até a Dinamarca tentar convencer o velho artista a compor novamente.
Por toda a carreira considerado um sucessor espiritual de Bergman, Zanussi pela primeira vez trabalha com o ator favorito do diretor sueco, Max von Sydow, aqui interpretando Kesdi. E, com segurança, esta foi uma decisão bem acertada, uma vez que ele é a alma do filme. O Kesdi de von Sydow é uma figura complexa, extremamente difícil de se lidar ao mesmo tempo que causa um fascínio e atração a todos que estão a sua volta. Extremamente desiludido com a vida, passa seus dias reclamando de seus problemas de saúde e afugentando visitas num estado de quase paranóia, chegando a evitar tomar banho para que sua aparência de cheiro desagradáveis espantem quem queira chegar perto. É visível que ele ainda é apaixonado pela música, mas criou um bloqueio em sua mente, dizendo que “o Holocausto veio mostrar que a música não importa para nada”; e é cativante a felicidade e euforia dele quando este bloqueio cai, onde ele parece reencontrar a vida através da música.
Entretanto, à medida que Max von Sydow brilha, o mesmo não pode ser dito de seu colega de cena, Lothaire Bluteau, que interpreta o jovem Stefan. Sempre apático e aborrecido, Stefan parece feito de plástico ao não conseguir esboçar uma reação seque durante toda a projeção. Em momento algum é convincente a determinação dele para achar Kesdi, nem para convencê-lo a voltar a compor, e, quando descobre que tem poderes sobre o velho músico, como o de curar suas dores e problemas de saúde, não parece espantado ou mesmo desconfiado, apesar de suas falas e ações traírem isso, nos deixando uma estranha dicotomia entre ator e roteiro. Muito mais interessante é a mulher de Kesdi, Helena, a única personagem clássica de Zanussi no filme; sempre lá para apoiar o marido, apesar deste não retribuir o esforço, é a que mantém a estabilidade da casa e a sanidade de Kesdi, já que ela o conhece melhor que ele próprio. Em certa hora, na iminência de uma traição do marido, ela se mantém calma, dizendo que já esperava por isso e que ela não confunde sexo com amor, e sabe que ele também não. Uma pena que, apesar de dar um tom mais sóbrio e dramático ao filme, ela não chegue a brilhar, e acaba fazendo o papel da acometida “pro trás de um grande homem, há uma grande mulher”.
Porém, é injusto pôr toda a culpa no elenco, quando esta é claramente do roteiro. Escrito por dois roteiristas inexperientes, ele é apressado, irregular e óbvio, possuindo um ritmo estranho que compromete todo o filme. Quando Stefan acorda de um de seus sonhos musicais, no início da projeção, ele já corre para seu professor, dizendo ter certeza que ouviu em sua cabeça uma ópera inacabada de Kesdi, sem dar o menor motivo pelo qual ela seria justamente dele, ou o motivo pelo qual ele a quer terminada; e, apesar da situação inicial inusitada, o filme já começa praticamente com o jovem na estrada pegando carona, sem mais nem menos. E isso se repete inúmeras vezes, como na transformação de Kesdi de um velho casmurro a uma pessoa simpática, ou sua volta a compor, ambas muito rápidas e pouco convincentes. Os personagens são mal planejados, mudam frequentemente de opinião e de postura, à medida que o roteiro precisa de alguém naqueles moldes, apenas para voltarem às personalidades antigas poucos minutos depois. Não obstante, ainda é recheado de diálogos cafonas sobre a filosofia da arte, de como a música é um elemento que desequilibra a balança entre o bem e o mal, etc. Novamente, completamente jogados ao acaso em qualquer cena.
Com um roteiro tão falho, não é de se espantar que o filme seja fraco, mas Zanussi faz o que pode; se alguma coisa salva o projeto do fracasso, além da ótima interpretação de Max von Sydow, é a direção segura. Zanussi tenta empregar um ritmo mais lento e reflectivo, quando o roteiro lhe permite, o que casa muito bem com a bela fotografia viva da casa antiga em meio à selva de Kesdi, bem como a tentativa de dar alguma profundidade às ações dos personagens. As seqüências dele compondo são especialmente interessantes, mostrando toda a genialidade do músico ao pegar partes de uma velha canção judaica, desenvolvê-la instantaneamente, e misturar com músicas folclóricas polonesas. Tudo isso para culminar na ótima cena final, filmada intercalando diversos planos em momentos e locais diferentes, que funciona ao mesmo tempo como um fechamento para as várias tramas do filme.
Contando com um epílogo extremamente desnecessário e meloso, a sensação que dá ao acabar é a de um filme incompleto, que tinha boas idéias e boa intenção, mas que não teve gás para se manter regular durante os seus 96 minutos. Tanto que, a principal idéia do filme, a do “toque silencioso” que o Stefan dá em Kesdi para acalmar a sua asma, simbolizando a conexão meta-empírica entre os dois (presente também em vários outros signos mal planejados), é quase sempre deixada de lado ou ignorada. Com uma produção britânica, um diretor polonês, atores suecos e canadenses e todo mundo falando inglês, é como se, nessa diversificada equipe, não ouvesse a menor sintonia, e cada um fizesse o filme como bem entendesse, e o resultado disso é bem desorganizado e dessatisfatório.
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