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Críticas

Cineplayers

O peso de uma narrativa mínima.

7,5

“Dez anos depois do colapso”, faz questão de nos localizar uma cartela The Rover – A Caçada  (The Rover, 2014) logo que o filme começa. Não é uma informação que diz muita coisa. A palavra colapso, embora evidente no cenário social do filme, nunca é realmente discutida e compreendida pelos personagens. Isso supondo, é claro, que por colapso ele se refira ao da Austrália apocalíptica que encontramos. Mas essa não é a única interpretação possível para a palavra.

Desde a sua espetacular sequência inicial, The Rover rejeita clareza à trama. Tudo o que temos para começar é um lobo solitário, Eric (Guy Pearce, mal-escalado), que teve seu carro roubado por alguns homens em fuga no deserto australiano. Estes deixam para trás Rey (um ótimo Robert Pattinson), irmão de um dos ladrões (Scoot McNairy), que servirá como guia e refém ao protagonista.

Há na formação dessa dupla características que lembram a do seriado  Breaking Bad. O contraste de caracterização entre os dois personagens, o paralelo de seus traumas — desespero e abandono — e a relação de mestre e pupilo que se estabelece se aliam à imensidão do deserto filmado numa inocente associação com um dos programas de televisão mais elogiados da história do meio. Não acredito que a relação entre as obras seja proposital nem completamente por acaso, pois tanto The Rover quanto Breaking Bad surgem da necessidade de releitura do gênero faroeste para a contemporaneidade histórica e estética. Ou seja, a dicotomia simples entre o bem e o mal não funciona mais tão bem para o audiovisual de hoje. São exigidas nuances talvez tão ininteligíveis quanto as motivações de Eric neste filme.

O minimalismo do enredo não seria um problema caso este não pretendesse ápices tão evidentes. A crise dos personagens, que vem aparentemente de lugar nenhum, pretende chegar a algum lugar. Sem um antes, todo o peso do depois fica para o caminho. O resultado é um road movie clássico, episódico, em que cada novo momento parece mais ansioso pelo clímax, mas também mais repentino e desmotivado, que o anterior.

Os encontros no outback australiano variam entre o curioso e o perdido. Um circo esquecido constitui, muito graças a seu aspecto um tanto surrealista, o mais interessante dos cenários; uma médica protetora dos animais abandonados já não o é tanto. Nesta cena, contempla-se a inocência do animal perante a crueldade do homem em desespero. Quando a colocamos junto do desenvolvimento da trama de The Rover e de seu desfecho, ela parece estabelecer prioridades questionáveis.

Como boa parte das narrativas de violência, The Rover é nostálgico por um momento em que coisas como as que acontecem no filme ou eram consideradas erradas ou, o que seria uma afirmação bem mais perigosa, não eram necessárias. Apesar da descrença no ser humano e de toda a matança provocada pela busca do anti-herói, não acho que The Rover chegue a sequer sugerir a segunda hipótese. Mas, se insistirmos em estabelecer entre a cartela e tudo o que a segue uma relação e realmente entender o saudosimo por diretrizes morais, e acho que deveríamos, deve estar claro que momento pré-“Colapso” ele busca. Pode se referir à Austrália deserta ou ao completamente desumanizado Eric — ele que sofreu seu próprio colapso pessoal há 10 anos e agora vaga pelo país como um homem que perdeu qualquer senso de empatia.

O filme confronta, através da humanidade de alguns dos outros personagens, a não humanidade de seu justiceiro. O grande questionamento para as atitudes do protagonista anda torto ao lado dele. Construir a trajetória de Rey pela perspectiva moral de Eric apenas para quebrá-la no clímax é o que o filme faz de melhor. Robert Pattinson e Scoot McNairy não desperdiçam o melhor momento do roteiro e entregam uma cena curta, mas arrasadora, daquelas que, se você se descuidar, tornam-se o filme inteiro na lembrança. Pattinson, inclusive, estrelando um Michôd, um David Cronenberg e um Werner Herzog no mesmo ano, merece ser louvado não só pela coragem de se afastar do lucrativo lugar que Hollywood significa para ele como também por, fora desse lugar, virar as costas com igual desinteresse para projetos fáceis que poderiam colocá-lo (considerando seu talento cada vez mais visível) facilmente na tentadora temporada de prêmios.

The Rover não é tão mínimo quanto procura ser. Mas é um bom filme, uma espécie de Sergio Leone visceral — e a comparação pretende o melhor dos elogios. Michôd está no caminho para se tornar um dos diretores mais interessantes do cinema contemporâneo. Passada a fase do road movie australiano — uma espécie de gênero base no cinema de lá —, estou curioso para saber o que virá a seguir.

Comentários (10)

Caio Henrique | terça-feira, 12 de Agosto de 2014 - 09:21

O Pattinson já tinha provado que tem talento desde Cosmopolis. E agora é que o cara vai destruir mesmo trabalhando com o Crona de novo, Herzog e o Corbijn.

Caio Henrique | terça-feira, 09 de Setembro de 2014 - 10:52

Assisti um dia desses no cinema daqui. O filme é foda, mas tem uns equívocos no roteiro que me deixaram meio cabreiro([SPOILER] a exemplo do começo, quando o personagem do Guy Pearce avança pra cima dos caras que roubam o carro dele e os caras, apesar de ficarem afirmando que matam gente, dão apenas uma coronhada no cara, arrasta o corpo dele pra fora da estrada e ainda colocam o carro do lado dele. Sem sentido isso). Mas o filme tem um clima de desolação, desesperança muito foda e a forma como o Michôd dá continuidade ao filme, com várias representações e simbologias( em especial à forma como ele contrasta as ações finais do protagonista e a atenção especial às moscas, dando a ideia de que estão todos mortos/podres) dão um gosto especial ao filme. Acima da média, certeza.

Thiago Cotta | sábado, 25 de Outubro de 2014 - 03:54

SPOILERRSSS - Achei a crítica um quanto rasa, é óbvio que o colapso se refere à crise financeira, desvalorizando a moeda australiana que claramente não é aceita em lugar algum. Fui saber que o nome do personagem do Pearce era Eric aqui, uma vez que não me lembro de ele ter dito ou ser chamado pelo nome durante todo o filme, fato que atesta a total desumanização de seu personagem. O diálogo de Pearce na prisão onde ele confessa seus crimes mostra um sujeito atormentado pelos seus erros e principalmente decepcionado por não ter que responder pelo crime cometido contra sua mulher, algo que com certeza ocorreu devido ao colapso - talvez isso explique o fato dele encarar os 3 bandidos desarmado, como se sintomaticamente alguém deva puni-lo pelo que ele já fez, uma vez que o próprio não se mostra capaz de fazê-lo; e o cão no final nada mais era que seu último elo afetivo daquele mundo que ficou 10 anos para trás. Forte, cru e melancólico, The Rover é um filmaço e a dupla central tá impecável

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