Shakma, o Psycho Primata Macacoso Destruidor de Portas
Tratamento cerebral em babuíno dá em merda, ele vai e mete o louco num prédio atacando todos os abestados dos alunos de medicina, que inventam de jogar RPG pela madrugada. Um argumento ninja. Óbvia e merecidamente, todos se lascam nas mãos do primata do mal. Inclusive a intencionalidade dalguns realizadores em criar estratégias de trama estapafúrdias que sirvam para levar seus filmes adiante por vezes é tão imbecil quanto intrigante. Reflexo de uma falta de refino deliciosa, mas também pela praticidade da falta de grana, e por ter em objetivo a carnificina pura e simples como mote principal. Uma honestidade sangrenta marca algumas dessas fitas.
Bagaceira nível máximo com ideia – e uso da mesma – narrativa absolutamente imbecil (o RPG), que compensa ao pôr o Shakma a destroçar a galera toda. O cinema slasher norte-americano já tinha tido seu ápice nos anos 80, mas ainda se investia em materiais que carregavam seus vícios e Shakma traz desde o massacre descontrolado, à personagens imbecis semi adolescentes a servirem ao moedor de morticínio carnal que é o babuíno Shakma. O que inclusive diverte, já que torcemos contra esses otários e a favor do primata escrotaço. A escolha de um local fechado e específico para a sequências de estraçalhamento também é característica do subgênero citado, além de ser um facilitador orçamentário em termos de produção e até controle das ações do animal a ser treinado. A tentativa era impor um tom claustrofóbico e tenso, mesmo que iluminado por demais. A tensão é mais motivada pelas ações do bichoso do que por um suposto clima nesse ambiente.
Como é de praxe de vários desses filmes, há uma manifestação grosseria como mensagem extra, que aqui o caso são maus tratos com animais em experiências científicas e as resultantes acarretadas. Obviamente que tudo usado pra justificar o horror e sem qualquer comentário social mais desenvolvido, porém o filme é realizado por sobre esta proposição. É uma justificativa esperta que se impõe para culpar o ser humano pelas merdas que lhes acontecem. É pueril, raso e funcional exatamente por isso. Como o interesse é pela destruição, a bravata da mensagem fica num limbo que acaba por divertir por sua existência e pela cara de pau em tentar se levar a sério por conta dela. Aliás, o filme prega algum humor, mas aquela avacalhação toda é levada a cabo com seriedade, inclusive nos ataques do macacoso, que mesmo com alguns absurdos é vendido como possibilidade tácita. Boa parte da graça reside no levar a sério desse tipo de argumentação, o que nos trás a absurdos internos, como a plena estupidez de professor e alunos se trancarem num prédio para praticarem um joguinho, ou mais fundamentalmente quando uma vítima desesperada atira talheres em um carro estacionado para a chamar atenção do motorista ao seu desespero. Decisões terminantemente estúpidas como estas recheiam bem o bolo de esculhambação vagabunda que este troço nos oferece.
Não-salva alguma monotonia de algumas passagens, o filme até procede bem nas situações, com os ataques do primata se destacando, seja pela sua ânsia animalesca, com algum sangue e muito ódio adquirido por portas fechadas. O animal (que inclusive tem a melhor atuação do filme, é bom que se saliente) fora treinado para avançar e atacar, e o foco de destino me pareceu ser o das portas fechadas. Destaque para a perspectiva do bicho e pra violência mais frontal de alguns ataques – com usos até interessantes de animatrônicos baratos e fantoches. E um ou dois planos sensacionais, como o contra plongée debaixo da mandíbula do animal com uma mulher em desespero ao fundo (esse é foda). A vantagem de um produto dessa envergadura é a não necessidade de sutilezas. Já bastam as limitações financeiras e técnicas, e na doidiça e na brutalidade pode-se aloprar. Vende o animal como assassino criado pelos humanos mesmo e foda-se. Como um mini nêmesis consequencial de ações irresponsáveis de humanos outrem. O que nos deixa apreciar o capricho na violência a percorrer pela duração desse negócio e pelo final nada lisonjeiro, fatídico e – obviamente – delicioso. Sem amarras de grandes estúdios, a liberdade do cinema independente propicia momentos divertidos como o findar de todos os personagens de um filme pelas mãos de um psycho primata. Como se fosse a porra de uma roda cármica que pusesse os humanos para serem vilipendiados e castigados por suas ações, sem espaço nenhum para redenção [que é algo inclusive, que o cinemão conservador norte-americano adora, o culto da família a escapar e mal que não pode vencer – em Shakma não há porra de redenção nenhuma]. Essa citada liberdade talvez não fosse bem vista pelo tradicionalismo do cinema, que abarca conceito familiares que querem o alento e não a desgraça. Porém, parte do público jovem anseia por novas experiências e persegue este tipo de trabalho abusivo, o que o torna um sobrevivente frente ao mar de covardia hipócrita que permeia o cinemão. E olhe que estou citando aqui um filme de início dos anos 90, onde a permissividade com temas escrotos era dispare daquilo que temos hoje. Não quero propor um proselitismo geracional histórico que vise contemplar as qualidades de décadas passadas frente ao que assistimos em nossas jornadas atuais, mas sim estou defendendo a presença desses pequenos filmes, que independentemente de suas épocas e jornadas de lançamentos, continuam a aparecer e a nos inundar com sua cara de pau. Inclusive os caminhos mais democráticos de distribuição que possuímos na contemporaneidade podem jogar a favor desses materiais. Afinal Shakma teve vida curtíssima nos cinemas e crescera através do VHS e de exibições nas TVs. Quanto mais espaços de distribuição alternativos tivermos, mais oportunamente essas fitas malditas tenderão a ter mais exibições.
Por conta da junção variada desses elementos, o material acabara por adquirir até uma legião de fãs sendo objeto de culto por alguns e se afirmando como pequena pérola cult trash. Aqui na Terra Brasilis fora exibido com mais vontade nas tardes dos anos 90 no Cine Trash da Rede Bandeirantes apresentado pelo saudoso José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Como é afirmado no trecho da chamada que cita o filme no referido programa:
“E na sexta, um selvagem primata deixando por onde passa um rastro de sangue... Shakma – A Fúria Assassina. Cine Trash, uma seleção de filmes que é o Terror. De segunda à sexta, 3 e 15 da tarde, aqui na Band. CINE TRASH, O TERROR DAS TARDES [em caixa alta a fala do Zé do Caixão].”
Filme de bicho-monstro de primeira ruindade que é uma beleza em sua feitura. O tipo de marmota livre que o cinema proporciona que vale muito a pena ser enaltecida como a bagaceira que é. E jamais esquecida. Nostalgicamente uma deliciosa desgraceira.
PS: Shakma: A Fúria Assassina fora lançado em DVD pela Versátil Home Vídeo no Brasil no Especial Obras-primas do Terror 19. Caixa de DVDs com três discos e seis filmes. O nosso Shakma citado aqui é logo o primeiro filme do primeiro disco. A saber, os filmes são os seguintes: Shakma - Fúria Assassina (Shakma, 1990, 101 min.), Obsessão Sinistra (What’s the Matter with Helen?, 1971, 101 min.), A Sombra do Gato (The Shadow of the Cat, 1961, 79 min.), A Face da Corrupção (Corruption / Laser Killer, 1968, 92 min.), Trilogia de Terror (Trilogy of Terror, 1975, 72 min.) e Trilogia de Terror 2 (Trilogy of Terror II, 1996, 90 min.).
Parte do especial Monstruosidades Imensas
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