Maggie Smith é o real valor dessa pequena “dramédia” britânica que abusa da timidez.
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6,0
O cinema britânico possui características bastante peculiares. Geralmente construidos em torno de tons leves, humor ácido e ambientações um tanto gélidas a Inglaterra, os fiilmes geralmente são classificados como os “almofadinha”, com um apreço até excessivo pela beleza visual e climática, o que já predicou diversas obras advindas deste cinema (Quatro Casamentos e um Funeral e o oscarizado O Discurso do Rei são exemplos contundentes disso), e também já foi e é capaz de encantar em filmes como A Senhora da Van, que abraçam estas características próprias para o autor construir sua visão própria sobre uma obra. Não que o cinema britânico tenha sempre seguido essa linha, pelo contrário. Mas mudanças ocorreram, temas foram minimizados, e A Senhora da Van chega como uma pequena síntese de todas essas mudanças ao longo dos anos e como elas podem ou não se adequar a uma história.
No caso de A Senhora da Van, o diretor Nicholas Hytner faz questão de avisar já no primeiro letreiro que seu filme não é totalmente fiel aos fatos que se referem à “amizade” (vejam o filme para entender as aspas) do escritor Allan Bennett e Miss Shepperd, uma senhora que mora numa van velha, de hábitos sujos, e que sempre instala seu veículo-casa em frente às residências de um bairro de classe-média, o que obviamente incomoda os moradores. Bennett começa a partilhar de uma maior proximidade com Miss Sheperd quando permite a mesma que instale sua van em frente a sua casa, e até mesmo use seu banheiro, o que irá desencadear afetos e certos segredos.
A Senhora da Van é sim, um filme “frufru”. Ambientação, fotografia, trilha sonora e demais elementos são construídos para levar o filme a um tom mais leve, ameno, algo que lembre uma daquelas produções televisivas em que o minimalismo é uma prioridade, o que acaba trazendo certas limitações narrativas, algo do qual A Senhora da Van não escapa. O próprio tema de uma mendiga (sim, o termo é certo) habitando um bairro nobre e despertando uma resposta de negação entre os habitantes daquelas casas, por si só, já rende nas entrelinhas um debate deveras contundente, mas ao se maquiar com seu tom que visa ser agradável, o roteiro de Allan Bennet baseado em sua própria obra se limita e não permite que tal tema ganhe a devida importância, o que sim, ainda era possível mesmo num filme que objetive ser leve.
Mas o curioso é que uma parte do charme de A Senhora da Van também provém desse tom quase fabulesco de contar uma história real, especialmente quando entra em sintonia com a performance deveras carismática e irresistível de Maggie Smith. Indicada ao Globo de Ouro pelo papel, Miss Sheperd é uma mulher suja, mal educada, rabugenta e resmungona, mas que recebe contornos extremamente simpáticos e verdadeiros da dama britânica e grande atriz que é Smith, construindo sua personagem em cima de uma doçura sempre sentida, jamais vista, mesmo em meio a sua personalidade desagradável. Nos sentimos apegados a Miss Shepperd, e isso se deve inteiramente a composição adequada de Smith. Alex Jennings, por outro lado (e isso certamente provém do roteiro ser do real Jennings), não chega tão perto de nos conquistar, parecendo ele mesmo antipático em certos momentos, o que não cai bem ao personagem, algo ressaltado pela atuação um tanto blasé do ator, que podem ser sentidas principalmente nas cenas em que seu personagem divide sua psique em cenas destoantes da proposta original de A Senhora da Van.
Independente desse problema de empatia com Bennett, seu personagem é capaz de complementar a presença de Smith e construir conflitos e choques curiosos em cena, uma vez que a obra depende muito de seus diálogos, grande parte deles escritos com elegância, enquanto outros deixam no ar uma certa monotonia. Mas há o charme por trás de tudo, a leveza, a doçura, por mais que tudo isso impeça que A Senhora da Van toque nos temas incômodos que estão lá, presentes e latentes, mas jamais são assumidos. Mas Maggie Smith toma bom proveito dessa vibe e carrega a experiência nas costas, tornando-se o real valor sentimental de um filme infelizmente tímido, mais preocupado com as tiradas levemente ácidas que saem das bocas de seus personagens. Tipicamente britânico.
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