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Se a Rua Beale Falasse

(If Beale Street Could Talk, 2018)
7,4
Média
80 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Black is beautiful.

7,0
Barry Jenkins tem 10 anos de carreira e 3 longas. Nesse período, moldou um estilo que ainda vem se consolidando, extremamente plástico, quase saindo da realidade, e que vem construindo sua identidade como realizador, atraindo admiradores e levantando discussões, no mesmo grau. Com um extenso arsenal de influências, o cineasta continua mostrando que pode reproduzir suas fontes de inspiração. Medicine for Melancholy, o primeiro e completamente desconhecido, é ainda seu filme mais livre, mais particular, menos imposto e mais bem-sucedido; isso significa que o filme não tem câmera lenta, luzes estouradas ou pretensão de ser um filme de arte europeu. O seguinte, Moonlight, dispensa apresentações e comentários. Adaptar um livro de James Baldwin é talvez sua melhor ideia para o novo longa.

Passado nos anos 70, o filme corre em paralelo com o "presente", com Fonny na cadeia e Tish descobrindo a gravidez, e meses antes, quiçá um ano, quando o casal já procurava um teto para morar, apesar da juventude extrema. O filme mostra os esforços de todos à sua volta para provar a inocência de Fonny, que é acusado de estupro e alega inocência, e também acompanha o idílio do casal, que transparece seu amor de maneira muito pura. Com uma legião de personagens periféricos, que vão das famílias de ambos até amigos que passam pela narrativa, o filme não desperdiça quase ninguém, mas talvez fosse necessário um desdobramento maior, sim, de algum tipo, para entendermos suas importâncias e suas relevâncias para o conto do casal.

A ânsia de demonstrar erudição não cessou dentro do vencedor do Oscar no ano passado, e Jenkins volta a insistir em um recorte quase irreal de tão edulcorado de uma realidade. Se Todd Haynes consegue recriar e desconstruir a porção Douglas Sirk que ele emula em seus longas, Jenkins parece ficar na superfície do todo, vestindo seus personagens de maneira impecável, maquiando um processo de construção de personagens em nome de uma beleza estética real, mas que não faz muito sentido por 40 minutos, para somente então explorar as ranhuras que obviamente perseguem qualquer história. Essas falhas e vincos que marcam a narrativa dão uma visão mais ampla de seu início, e também uma propriedade para analisar as oportunidades que são geradas à comunidade afro-americana, e como as coisas mudaram em 40 anos. Mas não muito.

Faz parte do segundo segmento do longa todas as suas melhores cenas, onde podemos perceber as linhas de Baldwin. O diálogo do protagonista Stephen James com seu melhor amigo, vivido de maneira implacável por apenas 15 minutos por Bryan Tyree Henry, é talvez o retrato de um lugar que não permite oportunidades a todos embora se travista com esse discurso. A cena onde Tish relata sua rotina de trabalho como vendedora de perfumes mostra um outro lado da opressão que todos no filme sofrem — nesse caso específico, a mulher negra, vilipendiada por todas as fatias da sociedade. A cena na qual Dave Franco faz uma participação especial também contribui para que tenhamos enfim a empatia necessária com aquele amor. E uma visita em particular de Tish a Fonny na cadeia, onde algo muito grave aconteceu e o rapaz simplesmente não comenta nada com sua namorada mesmo estando literalmente na cara essa informação, é outro exemplo de vazamento da humanidade no longa.

O lamento vem da falta de organicidade dos elementos em grupo. Cenas como as citadas acima precisam dividir espaço com uma artificial viagem a Porto Rico realizada pela mãe da protagonista (Regina King, em momento sóbrio) ou com essas sequências onde cada aspecto técnico parece elaborado com tamanha minúcia, que o filme vê escoar pelo ralo, vez por outra, sua tentativa de ser tão tocante. Como em Moonlight, a realidade, os defeitos, as lombadas de uma produção muitas vezes são o que elas têm de melhor. Enquanto Jenkins seguir convencido de um talento superior ainda não apresentado, seus filmes continuarão na corda bamba entre "ser" e tentar ser.

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

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