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Críticas

Cineplayers

Uma visão mais singular sobre os crimes e massacres do Vietnã.

8,0

Definir Platoon como um filme que mostra as atrocidades cometidas pelas tropas americanas no Vietnã é básico e clichê. Muito mais do que ser taxativo, a obra mais conhecida de Oliver Stone, mesmo que não seja seu melhor filme, é competente o suficiente para martelar nossas cabeças e nos fazer refletir sobre o que aqueles soldados, jogados em um país completamente desconhecido à mercê da sorte (e ego dos governantes), fazem para sobreviver. Muito mais do que sobre atrocidades, é um filme sobre fazer o extremo para sobreviver.

Diferentemente de Apocalypse Now, que é muito mais grandioso e romantizado, com um roteiro bem definido e cheio de marcações, Platoon nos coloca no meio de uma situação, sem nos apresentar um objetivo, trama ou qualquer outra coisa concreta. Somos jogados ali, no meio do conflito, e o filme simplesmente não nos apresenta nem mesmo o porquê daquela guerra estar acontecendo. Ponto para a coragem de Stone, já que isso representa bem a maioria dos soldados que estão lá: não fazem nem idéia do que estão participando.

Acompanhando o ponto de vista do Soldado Chris Taylor (Charlie Sheen, quando ainda fazia filmes sérios), somos apresentados ao conflito sob o mesmo olhar daqueles que lá lutavam. A partir do início do filme, quando Chris desembarca e, de cara, já vê gente morta e soldados baleados de forma quase fatal, muitas e muitas situações desumanas serão presenciadas, desde ter que dormir debaixo de chuva pesada com insetos monstruosos picando nossos personagens até atitudes extremas, como queimar uma vila milenar só pela suspeita de que os habitantes ajudam os vietcongues. Guerra é isso, não adianta julgar quem está certo ou errado, afinal, enquanto alguns estão atrás de mesas dando ordem, a luta no campo é bem diferente. A lei é do mais forte.

Isso nos leva a outro ponto importantíssimo do filme: cenas marcantes. Uma das mais famosas do cinema, temos o Sargento Elias Grodin (Willem Dafoe, o duende verde de Homem-Aranha, bem novinho) correndo de vários e vários vietcongues, após ter sido deixado para trás por sua tropa. Tomando tiros e mais tiros, ele se ajoelha e dá capa ao filme. Todo clássico tem que ter isso: momentos marcantes e que chocam, não saem de nossas memórias, e toda vez que penso em Platoon, imediatamente a imagem de Dafoe ajoelhado enquanto é alvo de dezenas de inimigos me vêm à cabeça.

Mas não é só dessa passagem que Platoon respira. Mostrando diversas cenas corriqueiras para aqueles soldados, como o local reservado para eles fumarem um baseado, ou então as cartas que escrevem para suas famílias, fica impossível não criar uma identidade com eles. A maioria está ali por obrigação, por ser pobre, negro ou de qualquer outra classe que sofre preconceito nos Estados Unidos, mas também há os doidos como Chris, voluntários a lutar na guerra, sem saber exatamente o porquê. E toda essa rotina se confunde com o medo de morrer de alguns (outros não ligam, como eles mesmo dizem, “se eu morrer não vou nem saber, por que me preocupar?”), nos entregando algumas passagens chocantes, como a execução da vietcongue que não parava de falar ou a bomba que arranca os dois braços de um importante personagem.

Lógico que filmes de guerra têm que ter passagens violentas e com bastantes tiroteios, mas se você está esperando algo como Pearl Harbor ou O Resgate do Soldado Ryan, esta não é a sua praia. Focado muito mais no psicológico dos personagens (como a primeira metade, a parte boa, de Nascido Para Matar), as lutas que acontecem, além de escassas, são em uma escala muito menor do que estamos acostumados a ver em Hollywood. Isso porque o filme acompanha os acontecimentos de uma tropa pequena, e não de um batalhão inteiro. A seqüência final, em que Chris está já bastante afetado psicologicamente com tudo o que presenciou, é fantástica, mesmo que tenha uma escala menor em termos de importância naquela guerra – afinal, qual combate foi importante no Vietnã, se pararmos para pensar?

(Aqui abro um parênteses: impossível não lembrar do fato que Stone escreveu o roteiro baseado nas suas experiências reais durante a guerra. Como pode uma pessoa viver aquilo tudo e ainda manter a sanidade para falar a respeito sobre? Talvez Platoon seja um auto-purgatório de tudo o que ele viveu ao longo dos dias em que ficou no Vietnã.)

Parando para perceber um pouco nos rostos daqueles sofredores, é possível notar várias figuras que hoje são consagradas no cinema, como Johnny Depp ainda moleque e um Forest Whitaker inconfundível com aquele olhinho caído. Mas o filme é mesmo de Sheen e não tem para ninguém. Alvo de todos os pensamentos e pontos mais dramáticos (a seqüência em que os vietcongues vêm chegando ao fundo e ele não pode se mexer é fantástica), o papel caiu do céu para ele, já que outros nomes haviam recusado-o, como Keanu Reeves e Kyle MacLachlan, consagrando-o em Hollywood e abrindo as portas para diversos projetos (a título de curiosidade, Johnny Depp havia sido considerado para o papel de Chris Taylor, mas como era jovem demais, acabou ficando com um papel coadjuvante; mas Stone já havia dito que aquele menino seria um sucesso no cinema).

Vencedor de quatro Oscars (Filme, Diretor para Oliver Stone, Montagem e Som) e indicado em outras quatro categorias (Ator Coadjuvante para Willem Dafoe, Ator Coadjuvante para Tom Berenger, Fotografia e Roteiro Original), Platoon consagrou de vez os filmes sobre o Vietnã: foi com ele que as pessoas puderam conhecer uma visão sobre o conflito de alguém que esteve realmente por lá, e isso dá importância ao trabalho de Stone (com relação ao Oscar, O Franco-Atirador havia vencido em 1979, o que pode ter tirado o Oscar de Apocalypse Now no ano seguinte, para o apenas bom Kramer VS Kramer). E, após o fim do filme, a sensação de alívio por não termos participado daquilo é imensa. A experiência de ver o sofrimento dos soldados e os crimes de guerra já devia bastar para os Estados Unidos repensarem esse monte de guerra que eles insistem em realizar. Algo que está longe de acontecer.

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