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Críticas

Cineplayers

Um pedido amigo.

7,0
A situação inicial de Um Pequeno Favor (A Simple Favor, 2018) é a mais inocente possível: duas mães se conhecem através dos filhos pequenos, que estudam na mesma escola, e passam a desenvolver uma estranha amizade. Stephanie (Anna Kendrick) é uma vlogueira hiperativa, perfeccionista e bitolada, enquanto Emily (Blake Lively) é uma executiva sensual, divertida, irreverente e guarda um ar de mistério que a torna inatingível. Logo a aproximação delas se torna quase diária, de modo parece natural quando Emily pede a Stephanie que um dia busque seu filho na escola, já que ficou presa em uma emergência no trabalho. De pedido aparentemente simples, o favor de Emily tem um preço alto, e Stephanie percebe isso ao descobrir que a amiga desapareceu sem deixar rastros. 

Diretor de comédias de sucesso, como Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011), As Bem Armadas (The Heat, 2013) e A Espiã que Sabia de Menos (Spy, 2015), Paul Feig já provou sua aptidão para histórias cômicas que giram em torno da relação ambígua entre duas ou mais mulheres. Em seus filmes, as relações femininas estão sempre no limite entre amizade e rivalidade, carinho e inveja, competição e companheirismo, compreensão mútua e cobiça. Aqui ele não faz diferente e aprimora sua abordagem ao colocar frente a frente dois tipos de mulher exatamente opostos e brincar com as possibilidades de interação entre elas, desde os cômicos contrastes entre elas até o tenso embate que se desenha conforme o filme se envereda por uma espécie de suspense inconsequente. 

E a ideia central de Um Pequeno Favor é justamente denunciar o tempo todo a ironia presente no próprio título, conforme Stephanie vai sendo absorvida pelo mundo de segredos deixado por sua amiga desaparecida. Feig não tem medo da mudança gradual de tom e gravidade que o filme vai adotando e mergulha totalmente no absurdo, forçando situações até o limite e explorando ao máximo as neuroses de sua protagonista, que também aos poucos se revela tão surpreendente e cheia de segredos quanto Emily. 

O que trai todo esse conceito são as opções de Feig de inserir flashbacks e situações imaginadas por Stephanie, o que soa redundante em alguns momentos e em outros quebra toda a ambiguidade das situações. O caráter irredutível de Stephanie, por exemplo, seria muito mais dúbio e intrigante se o passado dela não surgisse encenado e encaixado exatamente nas cenas em que ela procura negá-lo. Emily, por sua vez, perde todo o mistério através desses mesmos recursos, que narram inteiramente seu passado e ajustam qualquer aresta que poderia estimular a dúvida e a intriga. 

Um Pequeno Favor trata, em suma, da complexidade que pode existir através de tipos cotidianos, das histórias que as aparências escondem, colocando em evidência a questão das relações femininas em um mundo onde mulheres muitas vezes são divididas e taxadas nas categorias de mãe, trabalhadora, independente etc. Ao saírem desses estereótipos iniciais, elas invertem as perspectivas a todo o momento, ora se assumindo vilãs, ora se revelando vítimas, enquanto a única figura masculina da equação (vivida por Henry Golding) se encontra ali apenas como moeda de troca nos jogos das duas. Se a conclusão de Feig em seus filmes anteriores parecia tão conciliadora, aqui o caminho é outro e sobra apenas a certeza de que não há irmandade ou cumplicidade capaz de impedir uma mulher de conseguir o que quer da outra. 

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