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Críticas

Cineplayers

Salvo raros momentos, é mais uma prova de que os Farrelly se renderam ao moralismo do cinema norte-americano.

5,0

Há não muito tempo, os irmãos Peter e Bobby Farrelly eram a esperança da comédia norte-americana. Seus primeiros filmes, especialmente os hilários Débi & Lóide – Dois Idiotas em Apuros (Dumb & Dumber, 1994) e Quem Vai Ficar com Mary? (There’s Something About Mary, 1998), tornaram-se imensos sucessos de bilheteria ao oferecer algo que se tornava cada vez mais raro no gênero: irreverência, criatividade e, principalmente, ousadia ao forçar os limites do politicamente correto. Não deixa de ser uma pena, portanto, perceber que os anos não fizeram nada bem à dupla de cineastas. Apenas na última década, os Farrelly realizaram quatro produções, todas elas sem jamais chegar aos pés daquilo que prometiam em seus primeiros esforços. O Amor é Cego (Shallow Hall, 2001), Ligado em Você (Stuck on You, 2003), Amor em Jogo (Fever Pitch, 2005) e Antes Só do que Mal Casado (The Heartbreak Kid, 2007) podiam até ter seus momentos de inspiração, mas comprovavam o comodismo dos diretores/roteiristas, que, aos poucos, deixavam a provocação de lado para ceder às fórmulas da indústria hollywoodiana.

Assim, com o passar dos anos, os irmão Farrelly se tornaram apenas mais um (ou dois, no caso) figurantes do cenário. E o mais recente trabalho da dupla, Passe Livre, é mais uma prova disso. O pior de tudo é que o filme poderia ter sido o retorno dos cineastas à velha forma. O ponto de partida da história – dois amigos que ganham carta verde das esposas para fazer o que quiserem durante uma semana – abre boas possibilidades de desenvolvimento, com potencial para se tornar uma comédia não apenas engraçada, mas potencialmente subversiva. Era uma chance de fugir às regras do gênero, de voltar a mostrar o dedo para o establishment e fazer algo na linha daquilo que costumavam fazer. Infelizmente, não é isso o que acontece. Para a decepção dos fãs da boa comédia provocativa, Passe Livre chega para logo ser esquecido, oferecendo nada de novo àquilo que o público vê todos os anos em dezenas de outras produções: personagens sem carisma algum, escassez de boas piadas e um final sentimentalóide.

Este último, aliás, é um problema recorrente nas comédias norte-americanas. É comum a estrutura de um filme se basear, durante dois terços, em criar piadas e situações engraçadas para, no último ato, esquecer da comédia com o objetivo de dar um fechamento à jornada dos protagonistas. O empecilho – ao menos na maioria das vezes – é que não há suficiente desenvolvimento dos personagens nos dois atos anteriores, o que faz com que esta última parte normalmente se torne insuportável. Esta é uma situação que se repete em Passe Livre. Todos os personagens, sem exceção, são baseados em estereótipos, beirando a superficialidade. Não há qualquer tentativa de oferecer o mínimo grau de profundidade ou complexidade a eles, jogando a responsabilidade da identificação com a plateia unicamente no colo dos atores. Dessa forma, cada vez que o roteiro foge da comédia para focar nos relacionamentos entre Rick e Maggie ou Fred e Grace, o filme acaba resvalando na pieguice e tornando-se enfadonho – por sinal, um problema recorrente nos recentes trabalhos dos Farrelly.

A questão se torna ainda mais nociva diante de atuações sem inspiração como as que Passe Livre oferece. Owen Wilson, por exemplo, é um ator que precisa urgentemente se reinventar, pois segue interpretando o mesmo papel há muitos anos – inclusive a sua forma de entregar as falas soa repetitiva, sem o mesmo resultado de antes. Jason Sudeikis, por outro lado, talvez por ser um nome menos conhecido, consegue se sair um pouco melhor, demonstrando energia e timing cômicos não encontrados em Wilson. Ainda assim, o ator não consegue salvar ou carregar o filme nas costas como poderiam fazer comediantes de primeiro nível, como Steve Carell, por exemplo. A falta de inspiração, surpreendentemente, sobra até para o sempre ótimo Richard Jenkins, que jamais consegue encontrar o tom de seu personagem – ainda que seja interessante vê-lo em um papel diferente do que está acostumado. Enquanto isso, o elenco feminino faz o que pode com o pouco tempo em tela e o fraco material, e, por mais que Jenna Fischer e Christina Applegate já tenham provado possuir talento cômico, os papéis das esposas dos protagonistas poderiam ter ido para outras atrizes menos conhecidas sem a menor diferença.

O tratamento dado às personagens femininas, aliás, é um exemplo de como os Farrelly parecem ter perdido a mão ao longo dos anos. Em outros tempos, os cineastas jamais desperdiçariam tempo com as subtramas envolvendo os “romances” de Maggie e Grace, por dois motivos principais: não terem conteúdo suficiente para se tornarem interessantes e, principalmente, não possuírem uma única piada ou momento engraçado. Além disso, o roteiro (escrito pelos próprios Farrelly, Pete Jones e Kevin Barnett) falha na tentativa de tornar as situações verossímeis. É difícil acreditar que, diante de tudo o que havia sido apresentado pelo roteiro, os personagens quisessem ir dormir em casa na primeira noite do “passe livre” ou, principalmente, que Rick diria “não” às investidas das duas mulheres que dão em cima deles. Consequentemente, se a plateia não crê nas situações apresentadas, fica difícil se divertir com o constrangimento pelo qual os protagonistas passam, uma vez que tudo parece artificial e forjado.

Mas Passe Livre é, em essência, uma comédia e, portanto, se fizer rir, terá justificado o seu propósito. Infelizmente, isso também não ocorre. Boa parte das piadas – para não dizer a maioria delas – não funciona, seja pelo desânimo dos personagens, pela apelação dos cineastas ou simplesmente por não serem boas. As cenas envolvendo o rapaz que serve café, por exemplo, são apenas patéticas, sem gerar uma única risada. Os Farrelly também apostam demais em gags envolvendo excremento ou outras situações escatológicas, como a sequência que resulta em uma parede suja de, bem, fezes. Aliás, é difícil esperar alguma coisa de um filme que traz uma piada baseada unicamente em mostrar pênis de tamanhos diferentes – sim mostrar. Como se não bastasse, o filme traz momentos mais do que batidos em termos de comédia, como a cena na qual os personagens tomam mais droga do que o necessário e começam a agir de forma estranha.

Porém, justiça seja feita: Passe Livre tem a sua parcela de momentos engraçados – bem mais do que o recente Esposa de Mentirinha (Just Go With It, 2010), por exemplo. Em certos instantes, o filme parece que pode engrenar e se tornar uma boa fonte de risadas, mas estes breves lampejos de inspiração se revelam raros e esparsos – como um certo comentário relacionado à irmã do personagem de Owen Wilson. O problema, no entanto, é que isso é muito pouco para os autores que criaram a cena do gel do cabelo de Cameron Diaz, colocaram Jim Carrey tentando matar uma vaca a pancadas em plena rodovia e fizeram dois caras sem noção venderem um passarinho sem cabeça a um garoto cego. Estes momentos – presentes nos filmes anteriores dos Farrelly – não eram apenas divertidos, mas realmente surpreendentes, acontecimentos que a plateia jamais poderia esperar. Cenas assim, capazes de levar o espectador às risadas enquanto diz para si mesmo “esses caras são loucos” não são encontradas em Passe Livre ou qualquer outros dos recentes filmes da dupla.

A impressão que fica, mais uma vez, é a de que Peter e Bobby Farrelly cederam ao sistema. Acabaram sendo engolidos pelo padrão da indústria cinematográfica norte-americana e esqueceram a sua veia anárquica e politicamente incorreta. Passe Livre até gera algumas risadas, mas poderia ter sido realizado por qualquer outro diretor do gênero hoje sem grande diferença no resultado. À plateia, resta lamentar os desvios da jornada dos irmãos e imaginar o quão hilário e subversivo o filme poderia ter sido caso dirigido pelos Farrelly do início de carreira.

Comentários (1)

Osnir Sotério de Lima | sexta-feira, 20 de Janeiro de 2012 - 07:45

Comédia acima da média. Conseguiram juntar as reflexões da vida madura com um humor escrachado e sem besteirol. O roteiro se desenrola de forma harmonica e pertinente e no final o resultado é um filme divertido para se assistir com a galera, que tem um conteúdo de "pseudo-autoajuda" para casais que se acham em crise refletirem e, derrepente, entenderem que são felizes e não sabem. Recomendo.

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