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Críticas

Cineplayers

Despretensão que deu certo.

7,0
Não à toa, a farsa é um dos gêneros mais populares da comédia: sua caricatura assumida cria absurdos que satirizam e põem em xeque as convenções levadas a sério demais, seja de aspectos sociais ou do próprio gênero em si. A Noite do Jogo entra nesse rol ao retratar a paixão americana por jogos sociais e, ao “vazar” a simulação dos party games na vida real, tirar sarro dos filmes policiais e de ação.

Os diretores John Francis Daley e Jonathan Goldstein, proeminentes no cenário recente das comédias para toda a família (estiveram envolvidos na produção de Quero Matar Meu Chefe, o novo Férias Frustradas e Homem-Aranha: De Volta ao Lar) dirigem de forma correta, porém nada burocrática, uma história de certa maneira previsível: o competitivo casal Max e Annie e seu grupo de amigos parceiros de game night tentam resgatar Brooks, irmão de Max que sempre o rebaixa, primeiro pensando tratar-se de uma brincadeira e logo descobrindo que o sequestro é de verdade.

O principal mérito do filme é conhecer e ter empatia por seus personagens e daí extrair a graça de suas piadas. A natureza competitiva de Max e Annie, por exemplo, é o principal fator cômico do casal, mas também seu maior drama: por causa da falta de amadurecer, até agora não conseguirem constituir família por conta da insegurança que Brooks desperta em Max. Os diálogos rápidos dão conta da loucura juvenil em que estão metidos e também da necessidade de evoluir afetivamente; e a química entre Rachel McAdams e Jason Bateman (a cara desse tipo de produção, diga-se de passagem) garante a identificação do espectador pelos seus personagens, bem como o ridículo exposto.

Da mesma forma, o filme sabe valorizar seus coadjuvantes; a desconstrução da ideia de casal perfeito pela qual passam Kevin e Michelle quando o marido aprende que a esposa teve um caso com um famoso durante um breve término atravessa o filme, interrompe oportunamente a trama principal e consegue um brilho próprio. Com menos destaque, o conquistador Ryan também mostra uma vontade de transformação ao conhecer a mais madura Sarah após sempre levar parceiras diferentes para os party games e sentir a necessidade de criar uma dupla.

Ao mesmo tempo, o irmão playboy e dúbio de Brooks mostra-se um tanto circular e unidimensional, bem como o policial obsessivo e esquisitão Gary, que quer ser aceito pelo grupo de qualquer jeito. Por mais risadas que arranquem - Jesse Plemons mostra-se mais uma vez excelente ao interpretar esses personagens menores e socialmente deslocados - revelam-se um tanto unidimensionais e sem muita transformação narrativa, servindo mais como alívio cômico que qualquer outra coisa. 

Acertando na construção de seus heróis, o filme perde-se um pouco no clichê em seu desenvolvimento, sem muitos antagonistas carismáticos e abusando das reviravoltas. Em certo ponto o próprio filme parece tomar consciência disso, tirando sarro da situação e jogando nas costas da despretensão: a esperteza para as gags verbais e visuais mantém-se, mas a estrutura narrativa acaba não inovando muito. 

O trabalho de direção e montagem é outro ponto da consciência narrativa que o filme tem, com planos coincidentes servindo como rimas visuais e transições entre sequências mostrando-se bem acertadas ao narrar a história visualmente sem sacrificar o ritmo do filme com didatismos. Com isso, o principal destaque pode ser notado em nunca perder o interesse mantido pelo fio condutor de resgatar o irmão, aproveitando o espaço para aprofundar os personagens e apostar em referências culturais que não soam fora de timing nem de personagens, viciados em cultura pop por conta dos inúmeros joguinhos disputados (a que envolve Pulp Fiction - Tempo de Violência é especialmente hilária).

A Noite do Jogo deve ser encarado pelo espectador como o é por seus protagonistas: um ótimo passatempo, com confusões revirando o mundo de seus personagens, com cada flerte com outro gênero (suspense, filme de crime) servindo com intenção paródica, mas sem por isso deixar de lado o quanto um trabalho conceitual de direção pode agregar ao propósito do filme. Um acerto despretensioso, inesperado e, acima de tudo, muito engraçado.

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