Não é tão difícil entender o motivo da Sony ter virado os olhos para uma adaptação de Morbius. A mitologia vampiresca segue sendo das mais atrativas e abertas a possibilidades, e depois do sucesso das duas adaptações do vilão Venom, levar esse personagem de características vampirescas para a proposta meta-humana do universo de super-heróis definitivamente parecia promissora – quer dizer, ao menos na sala de reunião onde os produtores decidiram dar sinal verde para Morbius ganhar vida nas telonas.
E claro, há toda a tentação em cima da Sony de aproveitar o máximo que pode a guarda compartilhada com a Marvel sobre o Homem-Aranha e seus inúmeros vilões, e aparentemente o êxito de Venom se tornou a principal referência do estúdio: Morbius guarda muito do senso estético e até mesmo narrativo (preocupante) dos filmes do simbionte, mas se ao menos em Tempo de Carnificina o dedo de Andy Serkis permitiu que o pastiche finalmente se assumisse, isso é o que parece faltar a Morbius – entender que rir de si mesmo antes que outros o façam pode ser uma boa arma. Daí o filme de Daniel Espinosa (do subestimado Vida) acumula armadilhas que cria pra si mesmo ao não se dar conta do filme que poderia ter sido.
Claro que, em tempos onde o cinema de herói estranhamente assumiu essa negação do que há de mais fantástico e lúdico em suas possibilidades – chamamos isso de padronização – ver um filme tão cartunesco como Morbius ganhar as telas de cinema em 2022 só poderia gerar reações das mais extremas, o frescor ou a negação. Não deixa de ser irônico que o que falta ao filme é essa própria consciência do pastiche de suas imagens, de sua proposta. Morbius se leva a sério num momento onde não deveria. Provas de que o filme se insere nessa posição auto-importante é que até Christopher Nolan se tornam referência aqui. Simplesmente porque a transformação do Dr. Michael Morbius envolve morcegos? Talvez, e daí você também tira como o roteiro de Burk Shapplers e Matt Shazama (que já haviam flertado com o vampirismo em Drácula: A História Nunca Contada) não se posiciona para além da sua própria caixa de referências.
Enquanto mero produto mercadológico, Morbius até que não sei sai tão mal diante das exigên$ias da indústria fast-food: é consideravelmente mais curto que grande parte dessa safra, não para pra justificar muita coisa sobre como seus personagens chegam do ponto A ao B, estabelece com o máximo de pressa que pode as relações entre os personagens e parece crer que meras linhas de diálogo serão suficientes pra isso. Algumas pessoas podem dizer que tantas exigências assim já não fazem sentido diante de um simples entretenimento, mas tanto o filme quanto seu protagonista, Jared Leto, não se entendem nesse campo da simplicidade, e nesse desequilíbrio, lançam seu filme no terreno da auto-paródia que não se entende como tal, no pastiche que tem vergonha de si mesmo e desconhece as possibilidades criativas da imagem: os slow-motions em meio a cenas escuras onde mal se vê o borrão dos personagens, os voos de Morbius (bizarros)... o clímax, frustrante, encerra essas mesmas possibilidades com a exata pressa de quem igualmente já não possui o interesse em sustentar tudo aquilo, o que deixa óbvio o cansaço da história sobre si mesma.
Matt Smith como o antagonista Milo encontra extrema facilidade em se sobressair ao material que lhe é dado (ironicamente, o ator declarou em entrevistas que nunca compreendeu realmente seu personagem) e há, ao menos, uma cena em que vislumbramos o filme que Espinosa queria ter feito (o assassinato no hospital), mas Morbius confunde não perder tempo com o desnecessário com não perder tempo com absolutamente nada. E mesmo no mais maleável dos filmes de heróis, é preciso haver alguma coerência até nas próprias regras que aquele filme cria pra si.
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