Destaque carioca junto a Julio Bressane no levante do cinema marginal, Elyseu Visconti foi mais um dos que se levantaram contra o cinema novo e suas profundas raízes européias e através da mesma fonte – uma câmera na mão e uma idéia na cabeça – abraçaram o filme de gênero e não o filme de autor para poderem expressar suas próprias preocupações. A pobreza da chanchada da Boca do Lixo, o exagero e estadalhaço dos musicais da Broadway, os exteriores do western, o clima violento, soturno e pesismista dos filmes policiais, a anarquia das comédias… E por aí vai.
Mas é claro, ao contrário da beleza, era pregada a idéia que esse novo cinema seria apropriado a um país de terceiro mundo. Cinema de sobras, feito com a sucata das grandes potências. Partindo desse conceito, não é de se estranhar que muitos dos filmes pareçam um surto esquizofrênico – personagens exóticos, narrativa episódica e fragmentada, diálogos embaralhados, decupagem confusa. O canto das ruas de um povo deprimido, um cinema instável e explosivo feito nitroglicerina, longe da intelectualidade mais sofisticada que filmes como Terra em Transe passavam.
Os Monstros de Babaloo é um dos grandes exemplos desse levante. Ainda que menos reconhecido que os nomes fortes do segmento, O Bandido da Luz Vermelha e Matou a Família e Foi Ao Cinema, poderia competir em nível de poder de fogo. Visconti arquitetou uma comédia ácida: a desgraça ridicularizada da família de Dr. Badu, o homem que controla a ilha de Babaloo, que vai à ruína por gastarem até o último centavo com carros, bebida, sexo e outras coisas irrelevantes, como diria a velha piada.
É perfeitamente compreensível o fato do filme ser censurado: o deboche à burguesia decadente sem maiores preocupações com coisas que não envolvam dinheiro em alguma instância é por demais direto, ainda que Visconti jamais tire seu filme do reino do simbolismo. Empregados estrangeiros, criadas fofoqueiras, filhos selvagens e meio retardados. Marido infiel, corrupto e fanfarrão. Esposa perua, desesperada e frustrada, interpretada por uma Wilza Carla antecipando visualmente o travesti Divine em Pink Flamingos. Helena Ignez como a herdeira ideal, ambiciosa, arrogante e encarnação viva do sadismo que pode ser comprado a crédito.
Enfim, um circo. Não aquele circo vital de Fellini, mas um circo digno de Monstros, de Tod Browning. Com a diferença que estes monstros aqui são fechados entre si, não aceitam ninguém, o mundo é o seu próprio clubinho. Eles são os donos do mundo, eles têm a grana, e o dinheiro deforma suas faces e mentes até não sobrar mais nada.Todos parecem seguir o modelo de atuação na qual Helena Ignez foi pioneira: todos se movimentam de forma exagerada, gritam escandalosamente, dizem todas as frases do roteiro com nítido sarcasmo.
Visconti exibe a burguesia na vitrine do circo de horrores; um passeio à família dessas figuras bizarras ao som da canção “Pra Frente Brasil”, hino da vitoriosa seleção de 1970 do qual o Regime Militar capitalizou em cima, é uma desconcertante ofensa em forma de escracho: o grito dos malditos que não tem porcaria nenhuma a comemorar nunca é ouvido pela gente chique.
Nesse filme, do patrão ao subalterno, do religioso ao arquétipo da “vagabunda devoradora de dólares”, todos estão sujeitos à corrupção e pouco ligando que Babaloo está ruindo sob o seu próprio peso - um clima que marcou o fim de nosso período ditatorial ou o caso de regimes como o de Collor. Certamente nem a trágica Eldorado de Glauber Rocha e seu desiludido homem da comunicação Paulo Martins conseguem provocar tanto: aqui, todos já foram corrompidos, não há mais pra onde correr, não há mais o que escolher, não adianta lutar. Os Monstros de Babaloo, afinal, explodiram o terceiro mundo.
Texto da série Clássicos Brasileiros
Zezé Macedo pra mim é a grande estrela desse filme. Ela vesga posando sensualmente pra câmera ao som do comercial de margarina é impagável. Rsrsrsrsrs...