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Mistério de Candyman, O

(Candyman, 1992)
6,9
Média
87 votos
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Críticas

Cineplayers

Candyman: negro, torturado e vingativo

10,0

Material de Clive Barker na década de oitenta, do conto “The Forbidden” dentro do volume 5 dos Livros de Sangue. Trata da história de um negro, filho de ex-escravos no século XVIII, torturado até a morte por se relacionar com a filha do patrão, e engravidá-la, e disso surgir o vingador Candyman.

E tome rito. A naturalização dos ritos, por mais trágicos e escrotos, é pauta exposta na obra, haja vista a forma dita da execução do seu principal. Ora, prole de ex-escravos, embora livre, estudado e bem-sucedido, não deixaria de ser inferiorizado e exposto naqueles Estados Unidos racistas. 200 anos depois vemos o racismo clamado como permanência histórica por vias institucionais, como, por exemplo, no caso da polícia focando mais pesadamente nas investigações das mortes misteriosas com algum branco envolvido. Ou ele se mostra então por imposição econômica nas questões de pobreza. A violência absurda nos cortiços habitacionais. O descaso estatal. "Todo dia morre alguém lá", um afirma, e nada da polícia chegar junto como deveria. Locais excluídos. Açougues negros. Há a visão sarcástica e de autoproteção negra sobre como os brancos os veem e os tratam. Atitude defensiva justificada. Outros tipos de ritos. O que são?

Nesta conjuntura vemos a investigação da estudiosa Helen Lyle (Virginia Madsen) sobre o folclore popular negro querendo provar que as mitificações dos crimes por conta de uma figura é nociva, e a violência da comunidade deve ser combatida, e não creditada a um ser etéreo. Nisso adentra num universo desconhecido. Antes só participara dele do sossego de seu escritório. O racismo na construção da narrativa. Onde o aspecto real serve de alegoria direta nas questões brutais, num contínuo de exploração dos lascados. Como consegue aprender como são estes cultos populares, e quais influências exigem naquela turma? Através da culpa, da farsa e do abandono. Candyman a faz passar pelo calvário, tortura, e quando impõe à própria a culpa por mortes não praticadas pela mesma. Assim como ele fora injustiçado séculos atrás de forma bem pior. Estratégia incomum e bem mais complexa a jeito de um assassino serial slasher. Atribuir lição tácita à futura vítima ao fazer ela entender realmente, além da poeira dos livros, o que é uma liturgia dos comuns. Além de carregar marotamente o espectador neste jogo de culpas. É um dos pontos interessantes que enriquecem a fita diferenciando-a dentro do subgênero.

A deformidade o segue. Faz parte da maldição. As abelhas e o gancho. O clamar de seu nome o alimenta, assim como as lembranças. Tudo isso num crescente a montar o mal. Um mal justificado, redirecionando a opressão sofrida. Um poder primal, denso, personificado no absurdo do binômio óbvio escravidão-racismo no protagonista. A atuação de Tony Todd é um achado. Sinistro. Se impõe com voz grave. Aqui o diretor Bernard Rose soube aproveitar Todd, o coloca como presença absoluta e dominadora. O estabelecimento do poder. Do pavor. Sabiamente usa o porte do ator com planos que o enaltecem e atestam completamente o tom de sobrenatural informado por ele. Isto também é somado ao contexto cênico de seu covil. No meio da podridão e abandono, ainda carrega as lembranças de outrora somadas aos cerimoniais de manutenção do mito. As paredes pichadas fazem questão de deixar claro.

Atmosférico. No que tange à arte, som, trilha e fotografia propostos. Diferencia ambientes, como, certa feita, nos conjuntos habitacionais no primeiro plano, e atrás a parte rica da cidade cintila ao longe, enquanto se pisa e se perambula nos escombros da pobreza. Os movimentos de câmera sempre denotam um tato com a tensão, sempre no preparo, como num deles, se aproxima do carro de Helen por cima, vagarosamente, antes da primeira visita empírica ao espaço de ação do Candyman. O começo do mistério. Sabido notar a ironia num ponto divertido onde a pesquisadora branca mora no tipo de prédio dos cortiços. Vendido mais caro com cara de chique por conta da localização. Mais um ponto de proximidade desta mulher com o seu algoz, como se o ambiente corroborasse este encontro. Estes elementos deixam claras as intenções do diretor de tornar esta atmosfera citada um personagem bem vivo do longa.

A sujeira urbana dos anos 90. Pichações. As reações das ruas às lendas possuem força local. Sempre existem histórias folclóricas de bestas tanto nos interiores quanto no meio urbano. Este poder tem representações à crença, e deixa o poder do ser mítico ativo. Este elo entre o coletivo, sua cultura e suas criaturas, como elemento primordial de vivência, é responsável pela identidade de determinada classe e povo. Neste caso específico, a permanência do medo no imaginário coletivo e o que isto implica.

Como reagiam as pessoas sobre estes casos? Ritualisticamente. A população pobre age e pondera o vilanesco como um torturado. Este se metamorfoseara num espírito vingador sempre em busca da amada. Respeitam seu mito e alguns o veem até como anti-herói. E símbolo da exploração da escravidão. As versões da história. A tradição oral perpassa a população pobre através de manifestações, que incluem os contos dos horrores passados adiante, que tenham reverberações, quando no momento onde há imitação do vilão, com um humano bem vivo atacando Helen num banheiro imundo numa comunidade abandonada.

O ser humano cria tradições de convívio, e o medo age como um catalisador de proteção e impõe limites à comunidade. Como na necessidade ocidental de sempre contrapor o seu Deus a um contraditório. Como se ele precisasse disso para fortalecer seu elo e poder, e, assim, coloca regras em seus seguidores com a punição e tortura a posteriori a encará-los. A domesticação dos selvagens. Assim nascem os mitos. Assim nascem as religiões. Assim nasce a ojeriza do desconhecido. Assim nasceu Candyman. Parido com sangue, tripas, abelhas, mel, tinta, gozo e rituais macabros. Um monstro ritual.

"Para que serve o sangue se não for para ser derramado?"

Texto integrante do Especial Monstros no Halloween

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