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Críticas

Cineplayers

MacFarlane tem munição, mas seus tiros no cinema ainda não conseguiram acertar o alvo.

5,0

Não é difícil apontar as razões pelas quais Seth MacFarlane se tornou um dos nomes mais cultuados da comédia norte-americana. Em um tempo dominado pelo politicamente correto, talvez a área que mais tenha sofrido seja exatamente a do humor. A comédia subversiva, anárquica e crítica, que eternizou nomes como o do grupo britânico Monty Python e de artistas stand up como George Carlin e Eddie Murphy, parece ter perdido espaço para um humor inofensivo, por vezes até infantil, com medo de criticar ou satirizar quem quer que seja. MacFarlane, com sua série de animação Family Guy, surgiu como um sopro de esperança em meio a essa padronização comportamental ao fazer da família Griffin um poço de piadas sobre minorias, temas polêmicos e, claro, um absurdo nonsense.

Assim, quando o roteirista/diretor partiu para sua primeira incursão no cinema, as expectativas eram altas. MacFarlane já havia formado a sua legião de fãs, que aguardavam ansiosamente o que ele poderia fazer na tela grande. Ted, no entanto, demonstrou as dificuldades do realizador com o novo formato: se o filme trazia a veia irreverente e ousada de MacFarlane ao apresentar um ursinho de pelúcia mulherengo e drogado, ao mesmo tempo sofria para se sustentar por duas horas, com problemas de ritmo e desenvolvimento da história. Era de se esperar que a irregularidade demonstrada em Ted – natural, por estar acostumado ao tempo reduzido de sua série de TV – fosse mitigada em seu segundo trabalho, mas não é o que ocorre. Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola é ainda mais inconstante do que o esforço anterior, com acertos apenas esporádicos que jamais justificam a sua posição como nome de referência do humor atual.

A ideia principal do roteirista/diretor (e aqui também ator) não deixa de ser boa. Aos moldes de Banzé no Oeste, de Mel Brooks, MacFarlane busca realizar uma homenagem/paródia aos filmes de faroeste, destacando seus clichês e subvertendo-os sem dó. Por diversas passagens, a intenção é bem-sucedida: a sequência dos créditos de abertura já remete aos clássicos do gênero, com a trilha de Joel McNeely garantindo o tom épico às belas imagens do Monument Valley (sim, a clássica locação que sempre foi a favorita de John Ford). Ao mesmo tempo, as primeiras cenas acertam no tom e na desconstrução das referências do faroeste, como quando o protagonista prova de forma bem-humorada como o Velho Oeste não é um bom lugar para se viver, mas uma época cruel e bruta.

Não demora muito, porém, para que Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola (mais um forte concorrente ao troféu de piores títulos nacionais de filmes estrangeiros) se perca na repetição e na falta do que dizer. O estilo de comédia de MacFarlane, com piadas aleatórias aos borbotões e pouca atenção ao enredo, funciona melhor em narrativas curtas, mas não é suficiente para manter a atenção da plateia durante duas horas – especialmente quando essas piadas nem sempre funcionam. O roteirista/diretor jamais consegue encontrar o equilíbrio entre a comédia e o romance, tornando o filme cansativo sempre que se volta ao relacionamento entre os personagens – principalmente aquele entre o próprio MacFarlane e Charlize Theron, o núcleo dramático da história.

Obviamente, o romance não é o foco do filme, embora ocupe boa parte do enredo, e problemas de desenvolvimento seriam perdoáveis caso as piadas funcionassem, mas nem no quesito em que é especialista MacFarlane se sai bem. Para cada diálogo inspirado existem outras ideias que chegam a ser constrangedoras, inclusive um sem-número de gags envolvendo flatulências, urina e diarreia. O baixo nível de MacFarlane e de Alec Sulkin e Wellesley Wild, co-roteiristas, chega a surpreender: há uma grande diferença entre piadas subversivas, politicamente incorretas, e piadas escatológicas, onde impera apenas o mau gosto e a apelação. Em Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola, o segundo tipo é muito mais presente. Na verdade, até mesmo sacadas inicialmente engraçadas – como a da prostituta que se recusa a dormir com o namorado antes do casamento – acabam cansando à medida que são repetidas à exaustão.

Ainda que resvale em piadas baixas e demonstre claras dificuldades para inserir suas ideias de forma orgânica à trama, MacFarlane ainda é um comediante talentoso e o filme tem momentos capazes de garantir risadas, como a cenas do treinamento de tiro ao alvo do protagonista. Mas são mesmo os instantes que exploram uma certa metalinguagem aqueles nos quais Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola se mostra mais certeiro: da brincadeira com o tamanho dos olhos de Amanda Seyfried, passando pelo “Challenge accepted!” de Neil Patrick Harris (ou Barney Stinson), pelo “Mila Kunis” da língua indígena, e chegando até uma sensacional participação especial envolvendo um cientista maluco e um certo carro que viaja para o futuro, o filme traz diversas referências bacanas à cultura pop, o que certamente irá agradar aos espectadores mais atentos.

E não é apenas atrás das câmeras que Seth MacFarlane exibe um trabalho de altos e baixos. Assumindo pela primeira vez o papel de protagonista de um filme live action (já que apenas dubla em Family Guy e em Ted), MacFarlane jamais convence no papel, falhando tanto na forma como entrega as piadas quanto – e principalmente – na conexão com a plateia. Como se não bastasse, sua química com Charlize Theron é nula, o que acaba por tornar todo o romance entre os dois ainda mais inverossímil. É preciso ressaltar, no entanto, que o elenco tem seu apelo: Liam Neeson parece se divertir à beça em um raro papel de vilão, assim como Patrick Harris, que exala hilária canalhice como o dono do bigode mais invejado do Velho Oeste.

Contando ainda com uma embaraçosa sequência envolvendo uma viagem alucinógena, Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola revela-se mais um esforço irregular de Seth MacFarlane nas telas de cinema. Seu talento como humorista nunca foi unanimidade, mas também nunca esteve em tanta dúvida quanto agora. Munição ele tem, como os fãs bem o sabem. Só que está na hora de começar a dar os tiros certos.

Comentários (8)

Lucas de Melo Silva | terça-feira, 23 de Setembro de 2014 - 23:25

Concordo em partes. Primeiro discordo totalmente da sua opinião quanto a "Ted", achei hilário, uma das melhores comédias do seu ano, se não a melhor. Quanto a este, achei bem irregular, mas me diverti a beça em muitas partes, algumas tiradas e etc. Você comentou sobre o humor "constrangedor" envolvendo flatulências e etc, bem, o cara é uma das figuras mais cultuadas da comédia estadunidense, então é questão de costume, não é algo tragável pra todos, igual Tarantino e cia. Esse tipo de humor SEMPRE esteve presente nos projetos do McFarlane, em Family Guy ele mesmo se deprecia chamando o seu estilo de humor repetidas vezes de babaca e idiota. Enfim, também achei o filme regular, mas não de todo ruim, acho que o maior problema do McFarlane no cinema hoje é com a condução das suas estórias, quando conseguir acertar a mão nisso...

Adriano Augusto dos Santos | quarta-feira, 24 de Setembro de 2014 - 10:13

Disse,o responsavel pela tradução,que o titulo original não vende no Brasil,era retorno baixo,que aqui as pessoas vão muito pelo nome do filme.

Pior que é verdade,já vi com colegas meus.Eles olham o nome e resolvem se vão ver assim.

Anderson de Souza | quarta-feira, 01 de Outubro de 2014 - 12:09

Like em cada palavra do texto.

Só a cena que faz referência à De volta para o Futuro me tirou um sorriso

Patrick Corrêa | terça-feira, 14 de Outubro de 2014 - 17:02

Ótima crítica.
O roteiro exagera mesmo na escatologia e a duração é um exagero. Por volta de 1 hora e 20 de filme, eu me perguntei: o que ainda resta pra acontecer em meia hora?
Fora que só ri bem de leve em uma ou duas cenas.

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