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Críticas

Cineplayers

A dramédia indie encontra o road movie.

6,5
Não é de hoje que um sem número de realizadores aposta em promover o encontro de um particular encontro entre drama e comédia, numa abordagem de indivíduos desajustados dentro do mundo contemporâneo, com suas situações muitas vezes ilustrada pela música igualmente alternativa que costuma acompanhar esse tipo de filme que, calcado muitas vezes na ideia de frustração com os valores atuais e na criação de alianças que ajudam a tornar a condição individual mais suportável através da empatia por figuras normalmente esquecidas. O exemplo mais longínquo deve mesmo ser Ensina-me a Viver (Harold and Maude, 1971), mas encontrou um certo filão com características formatadas nas obras dirigidas por Wes Anderson (notoriamente Três é Demais, Os Excêntricos Tenembaums), Noah Baumbach (A Lula e a Baleia, Frances Ha), Terry Zwigoff (Ghost World, Papai Noel às Avessas), entre outros cineastas.

Desde então, todo ano vemos um novo hit para os apreciadores: e tome-lhe Hora de Voltar, Tudo acontece em Elizabethtown, 500 Dias com Ela, Juno... Até mesmo cineastas anteriores como Sam Mendes e Gus Van Sant apostaram na tendência, com seus Distantes Nós Vamos e Inquietos, respectivamente. É atendendo a esse publico que Michel Gondry, responsável pela direção do cultuado Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, lança seu novo filme Micróbio & Gasolina.

A história de dois garotos vítimas de bullying (que já começa no próprio título do filme) com diferentes origens sociais, problemas em casa e aspirações na vida que subitamente encontram forças para enfrentar seus problemas na confiança manifestada um pelo outro traz em sua estrutura uma certa fascinação pelo absurdo e lúdico, quando os dois garotos engajam no plano de cruzar o país a bordo de um carro montado a partir de sucata.

Pontuado por humor e rasgado pelo drama do crescimento, com o despertar da sexualidade, as relações edipianas com os genitores, as competições de virilidade na escola, os pequenos rituais e batismos de fogo que marcam a transição para a vida adulta. Gondry, com sua câmera que faz questão de ser empática junto à narrativa, apostando em composições e preterindo o excesso de cortes, nos torna íntimos de dramas, preocupando-se em tornar cada pequena interação social ou mecânica um laço de cumplicidade com quem assiste - a música embalando as cenas, os gracejos de quando em quando e o mundo mágico desconstruído pela jornada física são os mecanismos marcantes do filme para aproximar o espectador.

Mas sem intenção de profetizar um eventual fim, há de se notar um certo desgaste na, digamos, "cartilha": Micróbio e Gasolina não escapa de ser derivativo da enxurrada que recebemos todos os anos, com a habilidade de construção visual e no controle de decupagem de Gondry quase salvando o filme de ser mais um entre muitos: ainda é possível sentir o cineasta de Brilho Eterno... ali, com seu fascínio pelo onirismo, com a interação com o invisível e o inconsciente tendo influência direta no desenvolvimento da trama, propiciando alguns de seus momentos e reviravoltas mais marcantes - tomemos por exemplo que, se o que os empurra para baixo é a opressão policial, a redenção vem com um concurso de desenho.

Mas no ínterim, é claro que a obra já nos mostrou, sem muitas diferenças, a história do oprimido que busca meios concretos de rebelião, com a descoberta do outro sendo a ferramenta essencial para a auto descoberta, tirando sua dor e delícia do anacronismo de seus personagens, frequentemente com a redenção agridoce na conclusão. É justamente essa repetição, tão excessiva em poucos anos, que mina qualquer singularidade que as obras possam ter. Nesse campo do filme alternativo, que o próprio Gondry ajudou a pavimentar com obras como Natureza Quase Humana, Brilho Eterno e Sonhando Mesmo Acordado, Micróbio & Gasolina não parece muito esforçado em ser algo além de uma citação ou nota em um caminho que começa aparentar a cansar.

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