Mendigo vê violência crescer absurdamente e compra escopeta para sair trucidando geral as gangues escrotas que assolam a periferia por onde perambula. Material que ganhara vulto e financiamento após o diretor Jason Eisener e os produtores John Davies (também roteirista) e Rob Cotteril (produtor do longa em análise), ganharam um concurso de trailers promovido por Robert Rodriguez no SXSW Film Festival de 2007 durante seu processo de Homenagem Grindhouse que ensejou dirigir o Planeta Terror (Planet Terror, 2007) e que Quentin Tarantino assim fizera no À Prova de morte (Death Proof, 2007). Ao ganhar o concurso, o trailer fora exibido nesse festival e, a posteriori, conseguira dar o ponto de partida para a criação de um longa próprio baseado em sua ideia disparatadamente escrota. Bom salientar que o Machete (Machete, 2010) – do Rodriguez e codireção de Ethan Maniquis – ganhou força através de seu trailer exibido nesse projeto Grindhouse de Tarantino e Rodriguez, mas vocês já sabiam disso. Foda-se.
Uma obra-prima do exploitation modernoso. Ora, o próprio exploitation famoso nos anos 70 primava por temas em voga e a exploração sem subterfúgios dos mesmos apelando com estratégias chamativas tais quais a violência e o sexo. Neste aqui o capricho está na vingança. Enquanto o mendigo passava fome e lutava por um trabalho/bico qualquer fosse acaba por ter sua epifania de destroçamento via os momentos de descalabro que presenciara no seu dia-a-dia. E sem nenhum tipo de perspectiva de algo a mais do que a dura sobrevivência num espaço de bestialidade e desmembramento coletivo. É claro que este universo proposto tinha que ser absurdo. Fitas como esta se utilizam do excesso estético e político de um extrato social para passar suas mensagens. Fogem do naturalismo pra chamarem a atenção através do irracional, principalmente por conta de seus assuntos recorrentes serem de fato monstruosos sebosos na forma, mas usuais fora da diegese do cinema em conteúdo, como a pobreza extrema e a barbaridade contra os fodidos. Nisso a proposição é ter antagonistas que ultrapassam os limites do natural aceitável para corroborar com um esquema de desespero dos sofridos. Via tortura, morte, destruição corporal e mental. Não adianta chamar atenção com flores e cirandas, mas, sim, com selvageria grotesca. Causar o asco e a surpresa, mesmo que isto ainda consiga trazer a reboque um significado de diversão tesuda.
Nisso a narrativa visualmente abarca uma espécie de MENDIGOXPLOITATION seboso que usa de cores vivas, bregas e estouradas/saturadas (em enquadramentos grosseiros e fodas) pra contar sua estória de exagero – exploração humana de rua – que homenageia materiais dos anos setenta e abre espaço pra um comentário social insano usando de um absurdo moral e visual pra abarcar em sua estupidez programada e deliciosa. Inclusive o uso das cores aponta ferozmente para as quentes em determinados momentos que chega a causar um desconforto (o uso do estourado é agarrado nisso). O descalabro visual que chegou para incomodar enquanto ainda visa entreter em seus abusos. O tratamento dado à imagem pode ser comparado ao dado ao mote e aos personagens. A intenção é pra causar espasmos mesmo. Desconforto visual amalgamado com o estilo enquanto diverte-se com disso. MENDIGOXPLOITATION. A exploração da existência desse mendigo como mero sobrevivente da localidade com as luzes e cores tão acachapantes sobre ele tanto quanto para os olhos daqueles que o assistem a perambular por lixeiras e vielas pútridas com seus bares podres. Fica o questionamento a saber se isso é genialidade mesmo ou simplesmente porque existem figuras doentes pra crer que um troço assim obra prima é. Eu obviamente incluso nesta segunda opção desde o começo. Inclusive o filme não se faz de rogado (óbvio ululante) e nos mostra ao que veio desde seu nascedouro em tela. Tortura o mendigo pelo desespero da fome, o vendo se transformar logo num vingador inveterado. A sociedade podre a qual está inserido o hobo, acaba por ter o protagonista que merece.
E chegamos num honesto e sensacional trabalho do holandês Rutger Hauer como o mendigo vingador. Ele acaba por dar franca credibilidade a um personagem marginal e extravagante dentro de uma realidade extremada. A vitalidade se encaixa dentro desta perspectiva, onde este protagonista lidera bem o carregar da trama, propondo as punições de sua própria vingança. Faz figuras comerem vidro e perderem os genitais à bala, pra citar alguns exemplos. Tudo isso num esquema explícito. Já que é nessa explicitude que mora o maior tesão desta fita. Bom lembrar que o resto do elenco não só órbita ao redor de Hauer e seu mendigo, mas possuem suas próprias podridões externas e internas nas suas existências tácitas. Seja na moça que o ajuda na marra e que sofre pra cacete, Molly Dunsworth (Abby) – algo que rende talvez a cena mais brutal do filme com direito a mão e punho destruídos por um cortador de grama e o osso do cotoco que sobrara servir de punhal para o começo da execução de um vilão –, entre outras barbaridades que faz com que ela quase divida o protagonismo com Hauer. Uma personagem forte que se metamorfoseia, por influência do mendigo, numa figura assaz brutal no fim das contas. A destacar também temos o psicopata vilão mor Drake (Brian Downey) e seus filhos tão ruins que atormentam das formas mais vis possíveis suas vítimas à luz de muito neon, sangue e tortura. Os personagens que compõem os assassinos alcunhados de A Praga (The Plague) no findar do filme divertem por seus visuais imbecilmente caricatos, mas funcionais dentro do total descomedimento dessa obra; já que o avacalho é regra, porque não? Este parágrafo serve pra explicitar estes personagens e para demonstrar o quão houve um acerto em mantê-los doentios dentro de uma trama grosseira de desforra. Há muita personalidade em todos eles, sejam eles abusivos ou abusivos (não existe outro caminho). E a fita consegue manter-se ritmada demais com os usos e abusos das escolhas destas figuras. Um acerto do bom.
A mensagem é óbvia. Mas o que ela acaba por intencionar mais? O cunho de crítica social objetiva ou a catarse embrutecedora que atinge os expectadores? Ambos possuem o tamanho certo no material. MENDIGOXPLOITATION. Como não existem escapes, incomoda. Perturba, e o seu suposto bálsamo vem invertido, através de liberação de dopamina nossa por contra do estraçalhamento de outrem. Acaba por se manifestar como uma ode contra a pobreza de forma visceral, mas ainda assim, alimenta o nosso tesão por morticínio. Somos tão capazes de sentir empatia pelo próximo tanto quanto temos aquele tesão (muitas vezes não escondido) por sangue e assassinato de outrem (e que mereçam ou não). Somos humanos. E alguns doentes mesmo. MENDIGOXPLOITATION. A frontalidade mediada pela overdose da exorbitância simples e sangrenta, perpassa não só o revide vingativo e de descalabro, mas se realiza pela necessidade de sobrevivência. Por isso a marretada arbitrária do exagero. A representação daqueles que não possuem escolha além de serem subservientes à espera de alguma sobra que caia por perto deles ou um aguardo por uma morte que por vezes até teima em chegar. E nada mais justo do que vingar tudo isso com um festejo de tripas, porradas, bombas e sangue. Num vermelho forte, sebento e constante dessa fita. Daquelas gemas insanas que jamais se perdem na sua espiral de abuso desumano e primordial. MENDIGOXPLOITATION.
Explotation doidão, vi na época, lembro pouco dele hoje...
Macho, é massa demais. Chegue junto.