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Mãe e Filha

(Mãe e Filha, 2011)
6,3
Média
7 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Esperanças ao pó que esbagaçadas já estão faz tempo

7,0

Matriarca e sua filha contemplam um passado destruído diante de um presente alquebrado, e neste entrechoque lidam com a realidade de acordo com suas próprias escolhas, e que montem suas narrativas, seja de apego ao passao ou de desesperança pelo futuro. Mas ainda presas a um presente doloroso.

Estabelecimento do espaço de conflito logo de cara, com uma exposição duma conjuntura de desalento através dos planos (demorados, captando o cotidiano das figuras, dando espaço a falta de transição delas no tempo), expressões dos personagens e dalgumas obviedades clássicas como o uso dos trovões, e ainda assim mesmo, nada de forma gratuita. A contemplação do diretor e diretor de fotografia Petrus Cariry segue como gênese de seu cinema. Com planos bem pensados, com uma iluminação ajustada para a construção de uma imagética dolorosa organicamente, sem arroubos ao exagero. A perscrutação das sensações é simulada na lentidão programática com direito até a momentos com câmera lenta – desde o nascedouro da metragem –, para nos introduzir a melancolia continuada pela qual a fita se esmera. E esta pontuação narrativa é ensaboada com um verniz sobrenatural constante. De manutenção de clima esquisito, onde a afirmação do tom e do caminho percorrido é mais importante para a fita do que algum fechamento concreto tradicional.  Nisso entra uma trilha sonora forte. Com corais que relembram filmes de terror setentistas, tais quais o material A Profecia (Omen, The, 1976) com a trilha do Jerry Goldsmith (uma lembrança bem pessoal minha – nem próximo e nem longe de uma divagação), os corais seguindo o clima pesado tensionam as ações de modo a manter o caráter de incômodo que reside no filme desde seu início. Tudo calculado e ajambrado para fazer funcionar a supracitada melancolia.

O conflito da filha que quer ir e da mãe que quer ficar. Escolha por questões micro para a narrativa. Um filme que se fecha nestes dramas pessoais que servem como um embate de gerações, e a pessoalidade – especificamente silenciosa – dos problemas tem mais vulto do que o excesso de exposição que poderia se esperar. Não que a filha não tente puxar um debate com a mãe sobre sua situação e como a fuga daquele local poderia sanar a falta de qualidade de vida na qual ela acredita que sua matriarca presa está. Mas são as imagens que deixam isso ser dito. E vamos deixar claro logo nesse texto, tem uma criança morta que a matriarca quer ficar criando/velando. O que significa isso? O apego da mãe ao ambiente se desloca para o cadáver da criança? Os arredores em ruínas. Assim como a criança? A lida com a vida e morte. Uma galinha sendo morta. Simbólico? A matriarca esperando o marido chegar. O agarro a esperanças mortas. A crença. Que isto possa servir como preenchimento de justificativa da própria existência. O isolamento construído e vivenciado por anos já faz parte da gênese de uma figura que se nega a extinguir o pó de uma parte da realidade que ali está se exprimindo como devaneio há muitos anos. A realização possível de uma é a eterna espera, da outra a fuga. Um combate silencioso por demais entre elas. Não há tons elevados, mas a dor chata e continuada. De sabor agridoce – pra ficar numa terminologia mais acertada ao tom. São encaminhamentos lentos de uma rotina que gera impaciência, já que não mostra escapatória catártica (ou qualquer coisa que minimamente valha isso), e essa supressão que mantém o clima de leve desconforto favorece o filme. E nisso ele se vende bem. Com todos os elementos equilibrados. Talvez até se exceda na lentidão proposta, já que sabemos da disposição e posicionamento das personagens e depois de um ponto da duração, não há tanto a desenvolver além de uma continuidade melancólica que já estamos acostumados. Mas logo quando isso vem a começar a encher o saco o filme finaliza. Aí a decisão de sua curta duração a funcionar.

O sobrenatural funciona como mosaico da possibilidade de base ao insustentável. Do conflito entre a mudança e a permanência. Os 4 cavaleiros do apocalipse sibilam. Encaixa com a morbidez da criança morta que por entre braços perambula. Realidade dura mostrada com alucinações do (no?) real. O neto como vínculo ao marido que sumiu. Enterro simbólico (?) da criança na parede. O filme verte algumas dessas questões num esquema que propicie que façamos o nosso ajuntamento de peças, já que a obra não mastiga nada, mas dá indícios do que podemos completar, mas ainda assim mantém a segurança do quer desenvolver. O sobrenatural entra não por em dúvida quaisquer aspectos do filme, mas para dar um significado de desassossego pela morbidez nas escolhas da matriarca que dentro de sua solidão programada, escolhe suas não-companhias de forma a causar um primeira inconclusão, mas que revela que o seu real é distorcido e assim deve funcionar, já que é a forma encontrada na obtenção de um conforto diante de esperanças que são agarradas mesmo que não obtenham sustância na realidade diegética de sua filha e do entorno que não seja fantasmagórico. Nisso o filme se proclama em suas lentes em contato com aquele mundo em lentidão, afinal o interior já possui uma dinâmica própria que difere de metrópoles, como a própria filha percebe o quão não quer estar ali e que sua convivência de costumes da capital não é menor que a conveniência de estar ao lado da mãe que viciada no espaço e tempos diferentes da primeira é. Tanto que nas escolhas raras de câmera em correria a filha busca um contato inicial com a mãe ou um encontro final com algum tipo de coisa inevitável. Algo que para diferenciá-la, a deixa na perspectiva de voltar a sair daquele ambiente. E assim vai? Ou fica?

Material partícipe da 1ª Mostra de Cinema Papo Meia-Noite
Fortaleza-CE

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