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Mad Max 2 - A Caçada Continua

(Mad Max 2: The Road Warrior, 1981)
7,4
Média
320 votos
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Críticas

Cineplayers

Como uma sequência detonou todo um novo gênero

8,5

Em uma terra hostil, um forasteiro chega em uma comunidade isolada acossada por criminosos e tudo muda a partir daí. O drama de samurai Yojimbo - O Guarda Costas (1961) certamente provou-se um dos filmes mais influentes do cinema, pois alguns anos depois de seu lançamento chegaram aos cinemas italianos Por Um Punhado de Dólares e Django, que em maior e menor grau aproveitam o tema e se tornaram detonadores do faroeste spaghetti

A história tornou-se quase que arquetípica, um verdadeiro mito cinematográfico, visto que, vinte anos depois, George Miller lançou o segundo capítulo da saga Mad Max com uma trama parecida, mas com uma reviravolta: dessa vez, em um lugar onde o mundo conhecemos já acabou. Mad Max, de 1979, foi um marco do Ozploitation (o filme sensacionalista australiano) e das perseguições de carro, com seu parco orçamento e roteiro desencontrado contendo sequências brutais e de tirar o fôlego. Mad Max 2 - A Caçada Continua manteve o espírito, mas adentrou no terreno da ficção especulativa, lançando uma verdadeira mania pelo gênero de filme pós-apocalíptico.

É certo que o gênero já tinha suas iterações até então, principalmente na literatura, com clássicos como O Último Homem, de Mary Shelley, A Máquina do Tempo, de H.G. Wells e Eu Sou a Lenda, de Richard Matheson. No cinema, filmes como Despertar dos Mortos, Deathsport e Herança Nuclear já imaginavam em algum grau como seria a sociedade depois que tudo entrasse em colapso - o clima de nomadismo e banditismo do primeiro, as perseguições mortais do segundo, a desolação sem fim do terceiro. Mas nada se compara a esse filme, onde George Miller aproveitou as paisagens a perder vista do desértico Outback australiano para criar uma bíblia de estilo que virou mania.

Ao invés da trama de vingança do primeiro filme, Miller transformou Max Rockantasky, homem destruído pela perda, no típico andarilho que fala pouco e dotado de moral ambígua. Conforme explica a montagem inicial feita de maneira docudramática, fundindo imagens de arquivo com encenações para explicar como o mundo passou por um apocalipse por conta da escassez de recursos. O protagonista é o único ponto de ligação entre um filme e outro; cada personagem apresentado além dele constrói todo um novo universo. E o clima pulp, quase quadrinhesco do primeiro (com advogados de gravata borboleta, bandidos caricaturais e policiais em roupas de vinil) deu lugar a algo a quase fantasioso, digamos assim.

Agora, após sobreviver a um assalto e tentar roubar um piloto de girocóptero, o personagem eternizado por Mel Gibson acaba se deparando com a comunidade de Pappagallo, que guardam uma refinaria de petróleo e são frequentemente atacados por uma gangue de saqueadores liderada por Lorde Humungus, um gigante musculoso que nunca tira a máscara. Max, que de início pensava em roubar a refinaria ou trocar favores, se vê em uma sinuca de bico entre ajudá-los ou não se intrometer.

Mad Max 2: A Caçada Continua, como ressalta a trilha sonora ao mesmo tempo moderna e pesada, mas também grandiosa e épica da guitarra Red Special de Brian May, é um filme essencialmente de ares operísticos, onde o diretor George Miller se desconecta de vez do compromisso realista urgente e abraça o absurdo quase musical dos figurinos supercaracterizados e a preocupação maior com ritmo e tom exagerados que tentativas verossimilhantes. Além do peculiar Humungus, cujo visual lembra um cruzamento entre esportista e sadomasoquista, há de se destacar personagens como Wez, um típico punk vestido com reveladoras peças de couro, sempre acompanhado de Golden Youth, um loiro andrógino que veste roupas reveladoras; o Capitão Gyro, com seu visual parecendo sair de uma ficção científica excêntrica dos anos 50, o Garoto-Fera, com seu visual homem das cavernas e a guerreira sem nome interpretada por Virginia Hey, que se veste tal qual uma amazona. Nada apegado à realidade; tudo abraçado para ressaltar um carnaval do absurdo, sempre exagerado, mais delirante a cada minuto - haja visto o ritual quase musical que Humungus pratica à beira da fogueira à véspera do ataque que irá realizar.

Miller disse ter baseado o segundo filme no Herói das Mil Faces, livro do estudioso de mitologia Joseph Campbell, construindo ao lado de Terry Hayes (Do Inferno) e Brian Hannant (O Guardião do Tempo) a figura de um herói relutante levado ao limite e sendo obrigado a fazer uma escolha; seus antagonistas, reforçando tal clima de ópera (ainda que uma ópera rock) se movem de maneira basicamente performática, pontuando junto com a música que engrandece os cenários e figurinos paupérrimos. Em suas roupas de couro e ar de poucos amigos, Max é um herói basicamente sem narrativa própria após o primeiro filme levado a escolher uma. E, como não poderia ser diferente nos filmes de Miller, essa escolha e essa história são resolvidas na estrada.

Grande parte do gênio criativo de Miller tem seu ouro nas estradas; a perseguição está para o seu cinema como os impasses dos duelos estavam para Sergio Leone, por exemplo. Nunca é apenas violência e retribuição em jogo; em cada carro, Miller insere um objetivo, seja a ganância dos saqueadores pelo petróleo, a tentativa de sobreviver do acampamento de Pappagallo ou a difícil escolha que o agora cínico Max deve fazer entre os dois. Quando começa a narrar em paralelo, observamos muitos filmes em um, todo um coro de dramas diversos atrás do volante - algo que aperfeiçoaria ainda mais em Mad Max: Estrada da Fúria.

E já que estamos comparando, Mel Gibson soube reproduzir como poucos o arquétipo do pistoleiro solitário. Seu semblante sério e distante, alheio a tudo, seja aos clamores de piedade ou às ameaças de hostilidade, com certa razão lançaram o personagem e seu intérprete para o sucesso; uma performance icônica em seu minimalismo, destacado em meio a um carnaval de bizarrices, com poucas palavras frente aos outros, mas dizendo muito através do “campo de batalha” armado por seu diretor.

Anos depois do estouro do segundo Mad Max, o pós-apocalipse virou uma sensação. Para além do terceiro filme que seria lançado em 1985, Mad Max Além da Cúpula do Trovão, tentando alcançar um público maior escalando a cantora Tina Turner para o elenco e trilha sonora e baixando a classificação etária, “cópias-congêneres” de variados graus de qualidade e sucesso, como Os Guerreiros do Bronx, Os Novos Bárbaros, Os Guerreiros do Apocalipse, Cyborg - O Dragão do Futuro, entre outros tantos aproveitaram em algum nível esses filmes baratos de se produzir (sucata, andrajos e descampados eram o set perfeito para a criatividade fluir) e que de certa maneira especulavam como seria terrível um futuro que nós mesmos causamos e como, a partir daí, os valores só decairiam. O ápice seria, talvez, com o desapontamento de orçamento milionário Waterworld - O Segredo das Águas, que basicamente inverte o escopo.

Hoje, as batalhas emocionantes que só se resolvem de verdade nas estradas continuam escalafobéticas como nunca, e Miller soube aproveitar todos os elementos que alcançaram uma espécie de ápice no alucinado Estrada da Fúria. Mas aqui, ainda grosseiro e com menos refinamento, está o que podemos chamar de um filme seminal, inspirado em sua forma exagerada, quando, carregando no absurdo, criou basicamente uma forma sobre a qual muitos bebem até hoje. Resgatar e rever Mad Max 2 é, além de conhecer o zeitgeist excêntrico de uma época, o prazer de notar um diretor que se aprimorava filme a filme e que puxava, a cada novo, o resto do que conhecemos como cinema de ação consigo - algo que continua fazendo até hoje, aliás.

Comentários (5)

●•● Yves Lacoste ●•● | quarta-feira, 16 de Setembro de 2020 - 19:20

Na continuação a trama se desenvolve mais, é mais amarrada, mostrando ao espectador um mundo coerente, dentro da lógica ficcional que Miller propõe.

Herbert Engels | quinta-feira, 17 de Setembro de 2020 - 07:00

Excelente crítica.
Pra mim só perde pra Estrada da Fúria e Operação Invasão 2 como o melhor filme do gênero.

●•● Yves Lacoste ●•● | quinta-feira, 17 de Setembro de 2020 - 11:47

Estrada da Fúria é incomparável meu jovem, hahahaha. Injustiça pra qualquer produção comparar com o próprio, ashuashuahsauhsuahsuauaua. E Operação Invasão, o primeiro bem melhor que o segundo, hehe.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sábado, 19 de Setembro de 2020 - 15:05

O meu preferido ainda é o original. O nascimento de um mito através da pressão num mundo cada vez mais esculhambado. E a contradição temática. Numa hora família feliz em pastos verdes, noutra a violência escrota como todo tipo de figura esquisita.

O 2 tem uma puta importância no sustentaculo do subgênero. Onde o Muller se estabelece como grande diretor. Abraça o limiar da troca de décadas, a de 70 e seu inconformismo frontal com o começo da ressaca dos anos 80, que se permitia a todos os exageros e pessimismos latentes.

Na ação a técnica do trato com a retirada de frames é ainda mais objetiva nas perseguições sensacionais. Pulsantes, vivas. Exageradas. O Miller é um artífice do exagero. Cinema sangrando óleo de motor.

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