Um filme que fala sobre a segregação judaica em plena Segunda Grande Guerra.
Falar sobre o anti-semitismo desde o período pós-guerra passou a ser praxe da instituição cinematográfica em âmbito mundial. E tentativas de aculturação estão presentes em todas as artes, cujo objetivo é induzir seu público a reflexão ou promover o debate, que indubitavelmente o filme em análise consegue exitosamente.
Com méritos, A Luz é Para Todos arrebatou três dos principais prêmios Oscar em 1947 – uma data propícia à abordagem do tema – um espaço de dois anos após o término da Segunda Grande Guerra. Retratando o preconceito étnico-religioso em pleno solo yankee, o que para início de muitas questões é um contra-senso incomparável com a ideologia da “liberdade” norte-americana, principalmente pelo fato de que os EUA estão econômica e culturalmente em dívida com os judeus, que representam majoritariamente as duas grandes fontes de orgulho americano: Wall Street e Hollywood.
O filme narra a história de um Jornalista, Phillip Green (Gregory Peck), que é convocado por uma revista para fazer uma série sobre o anti-semitismo norte-americano, e para isso ele propõe se passar por judeu e sentir na pele a discriminação insossa e arrogante de seus conterrâneos, além de intrincar um romance do escritor com Kathy (Dorothy McGuire), sobrinha do presidente da revista. Phillip passa então a entrar em conflito com o que é ser judeu em terra inóspita, descobrindo o condicionamento humano que foi estabelecido por conceitos intrínsecos a uma cultura de acepção ideológica - inerente a WASP (White Anglo Saxion Protestant) - em que um indivíduo, sendo negro, índio ou professando uma fé não cristã, é motivo de vergonha social. O protagonista intui que para a eficiência de uma matéria não basta apenas fatos, estatísticas e dados afins para pungir a sociedade sobre o mal estar sócio-cultural gerado por ela, mas sim a assunção de uma identidade alvo que, através de tal alteridade e ainda por deter uma voz desengajada (não-semita), alcançaria resultados positivamente incisivos.
A Luz é Para Todos tem uma coesão dramática polidamente arregimentada, consegue em plena era de ouro de Hollywood nos presentear com uma fábula urbana tematicamente madura. E, com efeito, vivenciamos o próprio conflito da personagem; Gregory Peck e todo o elenco apresentam uma perfeita e equilibrada interpretação mantida pela segura direção de ninguém menos que Elia Kazan. Ele foi o fundador (junto de Lee Strasberg) do Actor Studios, considerada a melhor escola de interpretação americana, enquanto Strasberg continuou no teatro, Kazan mudou-se para os estúdios e leva consigo sua técnica que mudará para sempre o modo de interpretação para cinema, tornando-a realista sem as afetações expressionistas e teatralizadas dos filmes da época. Contudo, o mérito de Kazan como diretor sempre se limitou a qualidade de direção de seu elenco e escolha temática, deixando a desejar como cineasta, isto é, seu trabalho cinemático ou estético sempre fora muito prolixo, prendendo-se as convenções narrativas e estilísticas já desgastadas ou então imitando técnicas de seus contemporâneos, ou no máximo adotando iconografias de gêneros específicos a cada tema abordado.
É curioso o fato de que a película ainda apresente uma estrutura verborrágica ao estilo de um teatro filmado, com poucas cenas externas – conhecidamente como um Filme Falado, que contrasta com o Filme Sonoro europeu, numa década onde despontaram obras inspiradoras de dois grandes mestres do visual cinemático: Orson Welles e Alfred Hitchcock, que articulavam suas narrativas através dos meios específicos da linguagem fílmica sem depender dos diálogos, usando-os somente em casos necessários. É notável a discrepância estética deste filme, que ao invés de mostrar fatos ocorridos, esses são comentados em conversas – não prejudica o filme, mas o experimentamos de um modo diferente do habitual, que é admitido como estética e ontologicamente adequado à sétima arte.
Destarte a polêmica não pára em seu conteúdo, mas se estende a fatos extrafílmicos. De início nos coloquemos no período da realização do filme, que se situa no final da década de 40, muito atribulada politicamente, lançando seus tentáculos para a década seguinte que colhera os danos do pós-guerra, chegando às manifestações do senado americano presidido por Joseph McCarthy, que intentava fazer a limpeza étnico-ideológica das instituições americanas. O que temos então é a mais ácida polêmica ocorrida no meio cinematográfico, em que fora convocado a prestar contas todo àquele que fizesse parte da engrenagem do mais poderoso meio de comunicação e aculturação: a indústria de Hollywood.
Como todos, Elia Kazan também fora intimado e, contraditoriamente ao padrão ocorrido com os demais cineastas da época, se tornou conhecido como a pior serpente delatora de seus colegas que teriam “hipoteticamente” se envolvido com causas sociais regidas pela esquerda democrática do país em apoio aos que sofreram na Segunda Guerra. Pior contravenção não há, demagogia e hipocrisia passaram a ser eufemismos referentes a Kazan, naquele período, que anos mais tarde veio a se desculpar à imprensa por sua “falta”, se auto-intitulando fraco e covarde. Entretanto, a memória Hollywoodiana em relação a Kazan jamais se apagou. Não dá para assistir a um filme de Elia Kazan sem sentir as sombras da hipocrisia política; ora, quem prega algo tem que vivê-lo, não basta apenas discursar.
Por fim, o filme ao menos vale por sua qualidade de expressão dramática, até mesmo por tratar de um tema tão recente à sua época. E em suma, o filme nos revela que basta alguém se importar com alguma causa e assim retrucar publicamente para que não possa haver nenhum resquício de conformidade ao chamado Racismo Cordial que, infelizmente, ainda existe sub-repticiamente na sociedade contemporânea.
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