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Liga da Justiça de Zack Snyder

(Zack Snyder's Justice League, 2021)
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Críticas

Cineplayers

Masturbação visual a serviço da mitologia heroística brega.

8,0

Autorismo do exacerbo. É o mantra visual do Zack Snyder. Esquema de opera rock espacial pirada. Paquidérmica. Busca usar sua duração de 242 minutos para transpor todo um estratagema ao qual vise açambarcar problemas pessoais dos personagens principais, fazendo com que os mesmos cresçam diante do destroço a se aproximar. Nada mais justo haver profundo background apropriado a cada um dos mitos.

Mitologia grega. Cristianismo a encher o saco. Reza e endeusamento tácito. Os figurões confabulam em vida suas problemáticas, mas são tratados como figuras mitológicas tanto por narrativa quanto por decupagem. Tais quais os deuses e semideuses gregos que viviam num universo de força, poder, divindade, traição, esculhambação e os caralhos. Mitos em vida, em morte, em ressurreição. Assim é visto a índole legendarístico desde a morte do Superman. Um Deus caído que agora estaria história, mas, claro, como toda boa masturbação cristã, ele vai ressuscitar.

Esse tesão compulsório por mitologizar seus personagens. Os faz das mais variadas formas, seja pelos atos destas personas naquilo que elas podem representar; pelo usufruto imagético da coisa; pelas escolhas narrativas. Sobre esta última temos a ESTÓRIA dessa diegese sendo contada pelas paredes da HISTÓRIA no templo das Amazonas. A HISTÓRIA. A Mitologia. Com as imagens pictóricas a decifrar um passado por muitos já esquecido. Tal qual Homero cavoucando paredes incessantemente dando significados narrativescos aos quimerísticos. Nisso, nada mais simbólico que a Deusa Amazona conte esta estória (da história) com ares de conflito legendário contra um poderoso devir. E desde o nascedouro do caso, com acentuada violência. Afinal o que é mitologia sem violência? Ou o velho testamento sem a boa e marota matança? Este é o cinema do Snyder. Abarrotado dos simbolismos grosseiros e deliciosos, e nos presenteia com a ferocidade dum machado do Deus da Guerra Ares sobre o vilanesco Darkseid num momento de história oral verificada na Mulher Maravilha.

Para confabular toda esta gama arquetípica destes heróis mitológicos, uma encenação via descomedimento visual cai bem. Por isso mesmo os excessos do diretor são bem ajambrados aqui. Sua eterna volúpia pela câmera lenta – ao nível do tratamento dos seus frames como pinturas e inspiração nas HQs basilares – é capítulo à parte. A câmera lenta no Flash em sua primeira aparição na ação me remete à frase sobre “um ser que se move tão rápido que que sua vida é uma infindável galeria de estátuas”, como diria o Alan Moore sobre o próprio Flash quando o cita en passant no Monstro do Pântano – The Saga of The Swamp Thing #24 (MOORE, 1984). Onde à medida que ele está em movimento todo o resto seria um tedioso museu. Isso não é novidade, mas aqui ganha ares de endeusamento das criaturas, com lentidão e propagação mítica, que as piadinhas não conseguem estragar. Faz um sentido da porra aqui. E tem câmera lenta pra todo lado. Nos outros como imponência mitificadora nos combates tanto do Aquaman quanto – principalmente – da Mulher Maravilha. Tudo isto com aquela trilha em overdose por trás, claro. É Zack Snyder. A eleição dos planos e decupagem dos mesmos nos encaixes dos legendários, funcionam com os mais variados contra plongées sob os mesmos. Seja num Batman sob o céu em tempestade ou na Mulher Maravilha abraçada numa estátua da Deusa da Justiça Themis. Isto moldado por fotografia de altos contrastes deste filme abusivo. Escolha que permeia a filmografia do seu diretor, mas aqui ganha este ar de gigantismo das peças da DC. Algo que o Snyder adapta. Afinal, a mitologia destes seres perpassa os 80 anos de existência, então seu diretor adapta à sua maneira. Expondo-as pela aparência da exorbitância caprichada e com coloração específica a relembrar tanto antigas pinturas e referências pictóricas quanto histórias em quadrinhos. O abuso desses enquadramentos sensacionais.

Para atingir este objetivo entre o personalismo dos problemas passados para com o tom quimérico, a longa duração é necessária e compatível para melhor estabelecer estas figuras. Mantém um caráter de distanciamento e senso justiceiro particular alinhado à visualização de semideuses por um lado; por outro, os problemas os identificam como seres imperfeitos frente aos seus poderes sensacionais e ações de salvacionismo coletivo tácito – não sem matança. Tais quais os deuses gregos.

Nisso entra o Lobo da Estepe altamente brega. Massa. Encaixa. O renegado em procura da redenção. Mais outro tema. Batman também persegue isso, desde a morte do Superman. Aliás, não deixa de ter um tom cafona o exagero proposto, com todos os suas exorbitâncias. A vantagem do Snyder é não fingir nada disso, e sim abraçar com gosto. O exagero funciona. O Lobo entra nisso. Não é somente um capanga genérico, mas criatura quebrada que é – não sem um paumandadismo abusivo – mantém-se atrelado às suas mais variadas frases feitas. Com um objetivo. A redenção. Todos buscam resolver seus dramas, inclusive as criaturas bregas.

Diante dum mosaico absurdo a envolver alienígenas, deuses, semideuses, ciborgue, humano vestido como morcego e os caralhos; a conjuntura de roteiro é montada, que a termos de sinopse é algo altamente simplório à primeira vista. Grupo se reúne pra combater ameaça e ressuscita seu chapa em prol de ajudar no combate. Um quadro de elementos num primeiro nível simples e orgânico até, porém a estrutura dos personagens e o formato adotado para representá-los mediante as questões, enriquece absurdamente o filme. Algo que passava demasiadamente longe da versão de 2017. Neste é o formato e seus agigantamentos que deixam o material vultuoso, aloprado e qualitativo. A existência duma gravidade problemática frente a estes seres que, agora sim, parecem ter real dificuldade tácita frente a este vilão problemático com poder suficientemente escroto para enfrentá-los. Por isso justifica-se a aparição em combate desse Superman altamente poderoso para desequilibrar a contenda a favor da Liga. Por último já sabíamos desse bosquejo, porém agora bem mais arrumado e decente, o risco absurdo é demonstrado primordialmente na sensacional cena do Flash frente ao desastre da morte de todos. Sim. Num representativo momento todos papocam e cabe ao Flash voltar no tempo e evocar tanto seu poder absurdo enquanto profere frases do pai que o inspirara. Dos melhores momentos de filmes baseados em HQs já pensados. O planeamento da obra gira e volta nisso. Encaixar os dramas pessoais ao absurdo poderoso e numa cena surpreendente.

O onanismo videoclipeiro do Snyder se faz presente, onde o mesmo serve como construção personificada para cada elemento. Com direito a todos os seus vícios. Algo que era feito de maneira contumaz pelo cinemão de ação dos anos 80, num esquema com música, ação e montagem a engendrar começo-meio-fim para determinada sequência. E o cara tem 4 horas pro mais puro exibicionismo, ele alopra demais. Reaproveitamento de cenas esquecidas, e/ou mal usadas, com um direcionamento brutal e bem montado. Justificando seu aporte tanto pelo aspecto mitológico tão exacerbadamente citado pela minha pessoa, quanto pelo compleição escolhida pelo Snyder em retratar os super-seres. Num misto dicotômico(?) entre realismo fantástico e absurdo escroto-imagético dessaturado de alto contraste. E nisso ele molda bem os núcleos retratados, com sagacidade e tempo para cada um, dando espaço em benefício do estabelecimento do público diante daquilo que vê e sente sobre aquelas figuras fantásticas.

Vejo perspectiva aqui em relação ao trabalho do Grant Morrison frente às criações da DC Comics retratadas. O Morrison empenha-se em impor um tratamento personalista sobre as peças quando as compunha como elementos lendários envoltas numa esfera filosófica e mística. Desde seu trabalho com o Batman – Asilo Arkham: Uma Séria Casa em um Sério Mundo (Arkham Asylum: A Serious House on Serious Earth - 1989), juntamente com o ilustrador Dave Mckean – o autor cerca o morcegão duma aura de profundidade filosófica no trato com suas relações e internalizações em comparado com seus vilões. O cara procura meter seus personagens em auras absurdas nas quais as problemáticas deles vão sempre além do caráter da fisicalidade a qual estão envolvidos nas suas jornadas. Snyder faz isto de maneira muito mais mundana e escrota. Insere seu tom visual como aporte mítico para seus protagonistas onde, não uma camada a mais é estabelecida, mas, sim sua estrutura é montada sobre isso. Citei o Morrison também porque ele é um mestre em termos arqueológicos da DC, e mete os mais diversos detalhes de vários universos – principalmente quando lida com obra coletivas. Sobre isso, ele faz trabalho invocado com a saga Crise Final (Final Crisis - 2008-2009) evocando sua influência do genial Jack Kirby (o criador do Darkseid e do Quarto Mundo que o abarca) e trazendo toneladas de referências ao universo DC ao mesmo tempo que tergiversa, discute, filosofa e simboliza com seus personagens numa caminhada para inescapável fim. E o vilão desta saga não poderia deixar de ser o Darkseid no encontro para com a equação antivida. E nada melhor como referência mor do Snyder do que o singular Jack Kirby em seu citado universo do Quarto Mundo (Fourth World – 1970-1973). Jack Kirby é um dos maiores estetas da nona arte, e cito-o considerando demais a criação do universo proposto tanto quanto o aporte visual dele. Sensacionalmente desmesurado. Colorido e gigantesco. Assustador, eterno e lendário. O absurdo do abuso. Algo que o Snyder pretende desenvolver aqui. Sacaram o truque? O Snyder sempre quis promover o seu cinema sobre estas criaturas de forma a qual elas tivessem parte do caráter bem próprio e ensejassem as mais variadas questões, acabando por lotar o material de referências a materiais futuros. Não uma demanda somente de legado, mas estruturalista dum universo único.

Denotamos uma excitação da direção tanto em responder a sua fanbase, como expor seu material aos fãs da DC em geral, e à sua idiossincrática maneira. Cinema intrínseco e sem amarras. O que fica pro expectador médio, que pouco se fode para as referências? Um filmão de ação bom da porra. Com aquela sensibilidade dum tijolo a permanecer. Como quando a Mulher Maravilha massacra uma galera e afirma para a criança que ela pode fazer o que quiser, sendo a primeira um exemplo a ser seguido. Em tempos de politicamente correto e frescuragem coletiva, é joia ter cenas dessas. Distante do bom mocismo cada vez mais abundante a perseguir as artes. O cinema altamente incluso nisso, obviamente, por tópicos mercadológicas seguindo a égide do consumo e das transformações da indústria mediante as novas pautas sociais e morais apresentadas. Não que o Snyder seja revolucionário e a porra toda, mas é um sujeito que aloprou ao subverter algumas questões na criação duma leitura exclusiva com suas escolhidas referências. E mantendo características clássicas a cada um dos protagonistosos. As essências dos mesmos. Ora, o BATMAN tem seu questionamento interno e solidão embutida assim como o teor amargo presente e tanto visto nas HQs (e ele ainda demonstra uma faceta mais paternalista no decorrer dessa produção); a MULHER MARAVILHA com sua noção de justiça singular na qual não mede esforços para proteger quem ela creia que precise, independentemente do destroço mortal cometido; o FLASH vem com o piadismo carregado das várias versões (ironicamente não tanto especificamente com o Barry Allen, em exceção ao olhar do Frank Miller sobre ele em Cavaleiro das Trevas 2 / Batman: The Dark Knight Strikes Again - 2001), mas com o tom de urgência e velocidade merecidas ao animal veloz (principalmente na citada cena final dele); O CYBORG com sua aura melancólica e sombria diante do duelo entre homem e máquina, toma parte da trama no qual o desenvolvimento dele torna-se o coração deste material, o que o deixa num protagonismo do bom; o AQUAMAN, no esquema de senso comum do público, sai da besteirolândia do desenho animado para ter tom mais pesado de playboy marinho com a ignorância dum Namor (Marvel), e aqui tratado tal qual uma lenda, como atesta o cântico sacrossanto em sua saída para o mar num momento específico; e o SUPERMAN carrega a aura da responsabilidade do Deus vivo, que o Zack incutiu nele desde Homem de Aço (Man of Steel – 2013) e Batman vs Super-Homem – A Origem da Justiça (Batman vs Superman - 2016), e o cara tem a inquirição e oportunidade pra entender a nova chance ganha e o que fará com a mesma, fazendo o possível pra manter o planeta amado vivo. São visões com caracteríscas idiossincráticas do diretor somadas a versões de arquétipos deles através da história.  

As citações minhas dos autores dos quadrinhos tais quais Alan Moore, Grant Morrison, Frank Miller e Jack Kirby possuem a indagação em expor a visão estritamente personalista dos caras. Não comparando de forma strictu sensu com o Snyder, mas, sim com algumas das suas intenções. O maroto cineasta imprime argumentações bem sui generis em suas obras. As deixa bem carregadas com sua pesada mão. E o que os autores clássicos acima tem com isso? Porque todos eles em determinados níveis formularam visões específicas sobre estes personagens nalgum momento, seja no Morrison nas estórias citadas anteriormente; no Alan Moore com Superman (O Homem Que Tinha Tudo - For the Man Who Has Everything – 1985, com parceria do Dave Gibbons; O que aconteceu ao Super-Homem? - Whatever Happened to the Man of Tomorrow? – 1986, com desenhos do Curt Swan e arte-finalizada por George Pérez e Kurt Schaffenberger -1986) , Batman (Piada Mortal - The Killing Joke -1989, juntamente com Brian Bolland) e Wacthmen (aqui não especificamente das peças chave da fita criticada, mas de características do universo dos super heróis); Frank Miller com Batman e Superman (Cavaleiros das Trevas - The Dark Knight Returns e Cavaleiro das Trevas 2 - Batman: The Dark Knight Strikes Again - 2001); o Jack Kirby na criação do universo do quarto mundo com o citado Darkseid. Todos eles imprimindo seus estratagemas bem claros com elementos que moldaram as obras a partir destas visões. Isto nos traz a um direcionamento tanto estratégico quanto passional. Seja na questão imagética estabelecida; Frank Miller agigantando o Batman ou o Kirby criando diagramações do absurdo nos seus desenhos espetacularmente mastodônticos; ou em narrativas do já citado Morrison na Crise Final e seu misticismo filosofeiro e o Alan Moore criando uma HQ seguindo teorias fractais e simetria diegética precisamente dita em trechos de Watchmen. O autorismo vinculado à criação. O Zack Snyder, a seu modo, com espalhafato e menos revolução, persegue fazer isso. O diretor, porém, mesmo ao contrário das HQs citadas pelos quadrinistas (escritores e desenhistas) que continham teor alto de aceitação – revolução – e transformação de mídia, acaba por criar uma peça com tom singular. Mesmo que divisiva pra caralho. Mas a inspiração dele é meter seu material na história. Pro bem e pro mal.

A ação propriamente dita. Todos estes elementos citados acerca de mitologia e algumas características peculiares dos heróis e o escambau tornar-se-iam falácia se a conjuntura das ações não colasse. Aí que o filme mostra qualidade e tesão. Monta esquemas no preparo para a ação de forma completamente coerente com o mosaico narrativo proposto, onde as consequências das escolhas estão perpetuamente presentes e carregadas por uma personificação visual pesada e, sobretudo, bem arrumada pra cacete, seja nos planos e nos usos das cores, seja no usufruto da trilha sonora original sensacional do Tom Holkenborg, vulgo Junkie XL. Trilha esta, a propalar tanto cânticos metidos a sacros quanto orquestra bruta, peso brabo de guitarras e puta percussão de metal e pedra, algo que dá textura, urgência e tesão às sequências. Tudo isto acaba por atribuir tom absolutamente catártico ao material. Cresce com seus excessos. A ação com um peso altamente demonstrado. Do retorno do Superman ao conflito final da Liga contra o Lobo, com suas peças literalmente se interligando e agindo coletivamente de forma coesa, e permanentemente com o tom de auto-importância elevado, merecem estes seres daquilo que a DC propunha por tantas décadas. O terço final da obra aparece após uma longa espera que se justifica e se organiza para a exposição final dos quimero-fabulosos em ação. O épico da era destes heróis. O que estes personagens representam com a riqueza de suas arrumações pessoais em conjunto com o tamanho de seus poderes. Dos problemas internalizados sobre família, aceitação, depressão, desespero; ao catártico e cataclísmico êxtase visual da plena pancadaria.

Existe o aporte referencial e de escolha implacável pelo colossal na opção plenamente escolhida. Cinema do abuso. Metido a modernoso dentro do mainstream. Carregando uma breguice dos usos dos personagens dos quadrinhos ao seu modus operandi particular. Isso tudo eu acho ótimo. É troço desavergonhadamente assumido como excessivo, mostrando quando e como um diretor teve oportunidade – conseguida à fórceps – para mostrar sua visão acerca dum universo conhecido pra caralho. Chamam ele de visionário e a galera leva na chacota eu entendo perfeitamente, porque o sujeito não é nenhum gênio e os caralhos, mas faz um certo sentido no que tange ao significado de busca e exposição dum olhar próprio de tom extravagante que o específico termo traz a reboque. Disso o cara é culpado independentemente do enchimento de saco a persegui-lo ou que creiam que ele persegue. Quer entrar pra história parceiro? Faça por merecer que seu legado seja contemplado independentemente de detratores. O lance é fazer a porra acontecer.

Comentários (3)

Alan Nina | sábado, 27 de Março de 2021 - 10:05

Texto excelente, mas so de ver a duração de um filme desses, eu fujo.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sábado, 27 de Março de 2021 - 11:49

Valeu mestre. Cara eu assisti de lapada. E duas vezes. Mas tem a opção de ver ou pelos capítulos que o filme já enseja organizar ou num esquema de uma hora por vez. Dependendo da pessoa, absorção do material até melhora assim.

Rafael Alves | domingo, 28 de Março de 2021 - 18:43

Bela crítica, mas esqueceu de mencionar quando o Flash salva a mina lá e passa a mão no cabelo dela sem consentimento, aquilo lá mata o filme.

Ted Rafael Araujo Nogueira | domingo, 28 de Março de 2021 - 18:45

Um problema altamente sério para todo o ocidente tergiversar. Salve a pessoa da morte certa, mas sem tocar nas madeixas.

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