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Jovem Ahmed, O

(Le jeune Ahmed, 2019)
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Críticas

Cineplayers

Em busca de contraponto

5,5

Notícia boa: A Garota Desconhecida volta a ser um projeto fora da curva de qualidade dos irmãos Dardenne. Notícia ruim: esse longa novo não se trata de um grande filme exatamente, apenas uma repetição de algo já apresentado por eles antes, com uns detalhes ausentes. A atenção se dá no momento em que a falta de um contraponto racional faz diferença aqui nesse filme premiado em Cannes por sua direção; ainda que os belgas sempre tenham seguido alguém indiscriminadamente como parte integrante da construção narrativa de seus filmes, dessa vez uma voz dissonante se fazia mais necessária, e os questionamentos ao jovem do título não vêm na quantidade que deveria.

A câmera segue Ahmed, como acontece sempre na obra dos irmãos. O Jovem Ahmed nem é apenas filmado de soslaio, tem bastante frontalidade cênica também, com o aparato comum a eles mais aproximado de seu protagonista. E a resistência de Ahmed ao que o circula ainda cria uma dinâmica interessante pra narrativa, já que se trata de um personagem desconfiado que insiste em abrir mão de compreensão e ajuda, mesmo da presença de outros não é solicitada, sendo desprezada em algumas vezes. Esse é o jogo contraditório, com o protagonista querendo ficar afastado de todos e ser seguido ininterruptamente ao mesmo tempo.

Uma cena-chave abre a discussão sobre as ausências do longa de Jean-Pierre e Luc, autores duplamente "palmados" (Rosetta e A Criança). Em uma reunião para decidir o futuro de um curso de árabe, um debate caloroso e bem-vindo engloba diferentes visões sobre o assunto, colocando a público presente para expor suas ideias e dá voz a um grupo muito disparatado de intenções e interesses. Nesse momento vemos como o islamismo, seus preceitos arcaicos e até a lavagem cerebral sofrida por inúmeras parcelas sociais estão em contato uns com os outros, e precisa estar disposta a vencer suas diferenças. Infelizmente essa é uma das raras cenas onde isso é possível na produção, deixando de lado a parcialidade pra abraçar uma pluralidade de ideias que esse tema pede.

Com ideias equivocadas conseguidas desde a morte de um primo que foi servir entre os radicais, Ahmed é um personagem que já ouvimos falar muitas vezes, a pessoa cooptada por um regime através de lavagem cerebral, e que já está a essa altura imersa na revolta, sem conseguir ouvir ninguém. Quando comete uma atitude violenta, Ahmed é mandado para uma clínica de recuperação para jovens, que o coloca num programa de ajuda braçal a uma fazenda. Passam a ser então esses os cenários do longa, com a obsessão do personagem a situa-lo como um leão enjaulado. O filme observa o ponto de vista desse menino, e vez por outra parece uma espécie de 'pregação somente para os já convertidos', sem entender que um dos benefícios de lidar com essa temática era abrir a cabeça de Ahmeds reais que estão por aí.

Não se justifica o prêmio dado aos belgas em Cannes último (melhor direção), quando esse foi o oitavo prêmio dado para um filme deles em pouco mais de 20 anos de participações, sendo um trabalho eficiente porém sem as grandes escaladas morais que seus protagonistas geralmente vivem, sem um brilho maior e com esse problema de foco fechado sem espaço para a discussão. Ainda que um bom elenco esteja a disposição, não faz muita diferença para o resultado final de um projeto menor dos Dardennes, que surpreende ao embarcar em um final melodramático para um projeto que se entende tão radical, sem ser.

Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo

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