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Críticas

Cineplayers

O canto do Tordo sobre a Tirania.

7,0

As coisas estão mudadas nesse Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1. Parece até outro filme. Estamos longe daquela estética extravagante das obras anteriores. A construção diferenciada de sua estética e ocasião se deram em diversos aspectos. Aqui somos levados ao Distrito 13. As cores se perderam e deram lugar às sombras. A trama se traveste obscura, se modela através de diferentes opções narrativas que proclama a desesperança. Após Jogos Vorazes: Em Chamas, Katniss Everdeen se vê finalmente fora dos Jogos Vorazes e participa de uma rebelião a qual é símbolo. Uma outra guerra se agrava, uma guerra midiática. Discussões políticas e lógicas de espionagem fazem parte de uma trama sólida, certamente a mais maturada da franquia. Talvez tivesse valido a pena que o filme contasse com uns 180 minutos, mas fosse concluído já, do que ter dividido o último livro em dois filmes e ambos terem cenas visivelmente arrastadas e demasiadamente prolongadas.

A trama envolta dessa sequência é efervescente e sempre ascendente num conceito diferente. Tudo é mais discutido e mais lento comparado aos dois filmes anteriores, há mais diálogos e contemplação. Ainda que o roteiro esbarre em exageros, trata de cenas coerentes dentro da proposta revolucionária do filme, e emerge o público na dualidade das discussões políticas promovidas entre o capitólio e o obscuro Distrito 13, estando os outros distritos acompanhando este embate, inseguros quanto a qual partido tomar. A guerra ascende e a esperança estoura, rompendo os paradigmas dramáticos, surpreendendo pela conotação de governo. Panem está sob o totalitarismo do Presidente Snow que assiste seu reinado ameaçado pela representação de uma heroína criada dentro da ideologia de seus jogos. Essa heroína é imagética.

Não estamos diante um longa teen como tantos julgam. O diretor Francis Lawrence conta com a presença de atores premiados como Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman e Donald Sutherland que contribuem para o prestígio. À parte disso, é impossível não lamentar o falecimento de Philip Seymour Hoffman quando o vemos em cena, contido e competente. Já quanto a estética alterada, seu tom lúgubre favoreceu o clima. A própria concepção do misterioso Distrito 13 contribui com a sensação projetada pela direção de arte, envolvendo situação e contexto, sendo que nem mesmo os planos externos parecem iluminados pelo sol, mas por chamas. Incendiada tal como os habitantes oprimidos, uma guerra civil ameaça rebentar.

Os jogos por aqui são outros, acontecem em telões, em disputas comerciais que prejudicam a utopia vigente inspirando os povos a questionarem seus líderes e as condições impostas por eles. A publicidade abarca como um viral de campanha, trazendo a representação da revolução através da figura ganhadora de dois Jogos Vorazes. Isso torna o filme bastante atual no sentido crítico à propaganda. Tal finalidade é trabalhada a exaustão, ainda que nunca soe descartável. Uma equipe de filmagem acompanha a heroína arqueira que peregrina pelas ruínas de alguns distritos, que caminha pela passarela da morte e contempla a miséria e a doença de alguns povos que não tem pelo que lutar. A figura de Katniss Everdeen assume a incumbência da mudança, efígie de esperança, representação para as massas a partir de uma conduta que é incapaz de representar frente às câmeras. É cômico e questionável. 

Além desse confronto político, pequenos bons momentos contribuem com a empatia. O uso de uma metáfora quando um cervo surge em cena é uma inserção poética bem colocada, é também uma cena com potencial recreativo em meio ao universo de informações. Um cervo que nunca teve por que fugir, que desconhece o perigo por nunca tê-lo vivenciado. Esse é obrigado a mudar seu comportamento. A caça parece injusta, diz um dos personagens. Tal como ele ali, vítima de circunstâncias, está a oprimida nação de Panem. Juntamente a essa cena, uma outra envolvendo um gato também abranda pela ternura em meio ao caos assistido: são cenas chaves que representam humanidade a partir de metáforas reflexivas.

Jogos Vorazes é uma franquia que vem se refinando com o tempo, atingindo patamares surpreendentes, uma vez conseguir equilibrar dramaturgia coerente em seu universo pós-apocalíptico estilizado com uma veia comercial capaz de lotar as salas de cinema. Parte da onda de adaptações literárias de best sellers recentes, esse é sem dúvidas, neste momento, o mais relevante. Em 2014 também fora lançado Divergente, outra adaptação de sucesso que se livra de mediocridades costumeiras para contar uma boa e enérgica história. Em ambos as mulheres são protagonistas, mulheres fortes e cheias de dilemas. Aliás, um dos trunfos da franquia Jogos Vorazes é sua protagonista complexa, vivida por uma boa Jennifer Lawrence. A atriz tem sua personagem comprometida pelo roteiro já que o clima triste não parece bastar para o diretor. Lawrence precisa choramingar e abusar de expressões melancólicas.

Detendo tensão e romance contido, A esperança parte 1 só não é melhor, ou mais relevante, devido a gana de seus produtores. Esticar uma história que poderia ser muito mais enxuta e expressiva em troca de mais um filme só lhe faz mal. Não são poucas as cenas em que percebemos excessos que quase sabotam seu bom ritmo, pendendo ao tédio. Pelo bem do filme, alinhado com o roteiro de Danny Strong, algumas reviravoltas proeminentes às expectações conservam a atmosfera de constante ameaça. Agradará alguns e desagradará outros, não por vitais equívocos, mas por escolhas, por determinações às quais provavelmente estão nos livros (não os li). O novo capítulo que sairá no próximo ano tem tudo para fechar a franquia com certa excelência, construiu-se até aqui dignamente, e deixou um sabor de curiosidade para seu desenlace. 

Comentários (12)

Vinícius Aranha | segunda-feira, 01 de Dezembro de 2014 - 22:56

Thiago, você tá confundindo o argumento com a ideologia. Sim, a ideologia é de esquerda, mas o filme não foca em atacar a elite, ele foca no espetáculo, na propaganda, e na farsa ou distração que os líderes precisam erguer de uma forma quase fascista pra sustentar as coisas. O filme coloca um ar sombrio e de desconfiança tanto na Capital quanto nos líderes rebeldes, não tem nada de lavagem cerebral.

SÁVIO MINA DE LUCENA | terça-feira, 02 de Dezembro de 2014 - 01:34

Torcendo fortemente pra que isso aqui não vire um debate Direita x Esquerda...

Flavia Cristina | domingo, 14 de Dezembro de 2014 - 18:09

"Não estamos diante um longa teen como tantos julgam." Perfeito! Então "pessoas" que associam o filme às porcarias de outras obras (lê-se Crepúsculo) de mesmo público: deixem de ser menos implicantes e sejam mais críticos, pois se assim fossem, não fariam este tipo de comparação. Uma das melhores críticas que já li aqui. Sóbria, objetiva e principalmente sem nenhum preconceito com o gênero. Já vi muitos pseudocults entendedores de cinema defecar pelos dedos ao falar do filme, que visivelmente supera em qualidade e maturidade as enormes bobagens que vemos por aí. Pra entender de cinema, não precisa ser catedrático apenas em filmes cults ou vencedores de Oscar não. Lembre-se que o cinema começou como entretenimento. Sou fã da saga sim, sou fã de JLaw sim, mas ao contrário de muitos, sou crítica, e esta primeira parte foi sim desnecessária. Poderia ser perfeitamente enxugada em apenas uma sequência, mas isso não tira o mérito da proposta madura incrivelmente voltada para o público jovem.

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