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Críticas

Cineplayers

Um filme sensível com personagens fortes e uma belíssima fotografia. Porém, a distribuição limitada irrita.

8,0

Jean de Florette pode ter ritmo e narrativa cômicos, mas na realidade fala sobre a existência sofredora de um corcunda e como a hipocrisia, falsidade e interesses mesquinhos de um povo do interior acabaram levando sua vida à ruína. Dividido em duas partes - o que dá tons épicos aos dois filmes, de certa forma - este texto fala sobre a primeira delas. O filme tem distribuição limitadíssima aqui no país (na realidade, não consegui encontrá-lo para aluguel e muito menos para compra até hoje), porém a novela na qual foi baseado, escrito por Marcel Pagnol, já pode ser mais facilmente encontrada nas melhores livrarias. A segunda parte chama-se A Vingança de Manon e infelizmente ainda não tive a oportunidade de assistí-la.

Na França após a Primeira Guerra havia um vilarejo. Ugolin (Daniel Auteuil) retorna da batalha para morar num terreno perto da casa de seu tio Cesar (Yves Montand). Pois bem, seu maior desejo é plantar cravos. Mas cravos precisam de muita água e a região passar meses sem ver uma gota não é incomum. Um vizinho próximo tem sua própria fonte de água, mas não empresta e não quer vender o terreno. Ele morre! Vem o herdeiro. Conhecemos nosso sofredor Jean de Florette (Gérard Depardieu), um homem corcunda da cidade que, com seus manuais técnicos e muita motivação chega para mudar de vida e ficar rico criando coelhos e plantando todo tipo de coisa na fazenda que herdou. Tem mil planos para não sucumbir à falta de água. O que ele não sabe é que Ugolin, com a ajuda de seu tio - dois canalhas - bloquearão sua principal fonte de água (da qual Florette não tinha conhecimento) na tentativa de forçá-lo a deixar a fazenda e finalmente conseguir plantar seus cravos.

Bem, perdoem-me a introdução enorme à história do filme. Como ele não é tão conhecido, senti a necessidade de localizá-lo sobre o que se trata. Como já foi comentado, o filme é narrado de maneira principalmente cômica, mas à medida que a seca vai tomando conta do vilarejo, os personagens ficam mais misteriosos, sofredores. Uma curva do tempo muito bem apresentada. Jean chega à fazenda com sua esposa e filha pequena - esta última desempenha um papel fundamental na última cena do filme, e vai tornar-se a personagem principal da segunda parte da história. O que surpreende e torna a obra tão fascinante é justamente essa curva do tempo. Inicialmente o filme é mesmo desinteressante - Jean tentando plantar e sendo zombado pelo povinho do vilarejo - mas as coisas tornam-se muito poderosas a partir da segunda metade, o que demonstra a eficácia do roteiro e habilidade do diretor em transformar dinamicamente um filme.

Agora, um fato que chama a atenção é a corcunda de Florette. Qual sua importância no contexto da história? Há necessidade real de expor o personagem à provação do julgamento do povo do interior? Acredito que sim. A corcunda em si não seria um problema, mas sim o preconceito supérfluo que ele sofre por conta dela. Florette sofre por ser da cidade e teoricamente não entender nada de agricultura ou criação de animais, por ser um sonhador iludido, por morar perto de canalhas falsos, enfim... a corcunda é a pedra que sepulta sua existência sofrida. Por isso seu personagem, à princípio tão bobo, finaliza o filme como alguém forte, impressionante e, principalmente, melhor em moral do que todas as pessoas do vilarejo juntas. Sua esposa também é uma personagem bastante misteriosa. Subdesenvolvida, alguns diriam! Mas o roteiro faz questão de revelar o mínimo possível sobre sua personalidade e, quando ela toma uma decisão importante lá pelo meio do filme, isso pode ser considerado surpreendente. Finalmente, Ugolin, que no início é apresentado como o herói do filme, torna-se o grande vilão, ao lado de seu tio. A pessoa que trará mais sofrimento - sob uma falsa amizade - para Florette. Como vilão seu personagem é fascinante.

Além do bom conjunto de personagens, destaca-se também a apresentação visual do filme. Um vilarejo no interior da França serviu como perfeita locação: muito verde e o colorido de muitas flores ajudam a manter o interesse dos olhos. O diretor Claude Berri também foi cuidadoso na maioria de seus planos, demonstrando bastante habilidade artística. O filme conta ainda com uma trilha sonora bacana, embora quase subliminar, que dá bastante força aos momentos-chave de narrativa. Um filme mal distribuído - cinema francês de ótima qualidade que não seja Truffaut, Godard, ou outros notáveis é muito subestimado por aqui - mas que merece ser descoberto. Depende, nesse caso, mais da boa vontade de distribuidoras nacionais trazê-lo para os espectadores. E, caso alguém que tenha poder de trazer esses filmes para cá esteja lendo isso, não esqueça de sua sequência também, "Manon des Sources".

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