A melancolia indecisa de um arqueólogo invocado
Indiana Jones e a Relíquia do Destino (Indiana Jones and the Dial of Destiny, 2023), a nova (talvez a última) empreitada de Harrison Ford como Indiana Jones chega aos cinemas contemplando a nostalgia como uma das variadas facetas pelo tesão popular no enaltecimento dos heróis antigos. A intenção aqui é uma recauchutagem da despedida e do aceno ao tema do envelhecimento – algo que já havia sido contemplado de maneira mais satisfatória no filme anterior, o bastante superior Indiana Jones e Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and The Kingdom of the Crystall Skull, 2008). Porém esta fita não fora considerada uma despedida digna por parte da crítica e público (algo que discordo frontalmente), e decidiram apostar novamente no professor Jones.
Aqui seguimos Indiana rumo à plena aposentadoria movido por um sentimento de melancolia mediante a parte final de sua vida que envolve desastres da vida pessoal e o fim de seu período como professor, arqueólogo e ladrão de tumbas (piada esta que é usada espertamente no filme em questão). Nisso há o já esperado chamado para aventura à força que Indy não vê outra opção senão partir pra nova empreitada. Dito isso é bom salientar a tentativa de reviver (e apresentar) o sujeito em seu auge na sequência inicial – que se passa décadas atrás na segunda guerra mundial com ele mais jovem numa tentativa do diretor James Mangold em reviver os tempos áureos das produções da saga nos anos 80 –, para novos públicos além de pegar os mais antigos pela saudade do passado – algo que funciona num primeiro momento apesar dos ares de artificialidade das imagens. Nisso nos são oferecidos novos personagens e na repetição dos nazistas como vilões.
O lance aqui é montar um esquema de aventura nostálgica enquanto apresenta este tipo de entretenimento a novos públicos, sempre tentando abraçar cultural e etariamente o maior número de expectadores quanto assim fosse possível. Algo já usual na grande indústria cultural do mainstream norte-americano. Também por escolher os nazistas como vilões, afinal são um porto seguro histórico de vilania caso se queira demonizar ou esculachar algum povo ou um movimento político. Mas esse abraçar gera inconsistências quando não se consegue equilibrar narrativas, ações e personagens de maneira minimamente coerente. Afinal aqui Indiana Jones é praticamente (quase) um coadjuvante do próprio filme (não haveria problema se seu entorno funcionasse melhor para tal), escolha na qual reflete tanto escolhas morais e sociais – o empoderamento e protagonismo de personagens femininas fortes – quanto de permanência do projeto – a personagem Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge, ótima) é tratada como a figura que possa carregar a franquia dali em diante, mas ainda assim sem o filme mostrar ao que ela veio, a obra mantém a personagem no limite entre o empoderamento e o insuportável; e estes pontos quando acertam aqui e acolá não conseguem convergir de forma decente na fita de forma eu realmente se justifiquem. Não consegue atingir plenamente aqueles que querem uma nova figura assumindo a franquia (o bom trabalho de Phoebe Waller-Bridge não garante isso) e os que querem a nostalgia com Ford esperam por algo mais do que uma taciturnidade do que poderia ter sido.
A aposta por nostalgia consegue atingir por conta de Ford (excelente como o usual) e dalguns momentos que visam recriar um passado interessante que sirva de pano de fundo histórico em que brilhe o protagonista. Nisso a sequência inicial serve a esta questão assim como a perseguição no desfile em 1969, com ótimo trabalho de reconstituição de época e trajetória. Mas é pouco para uma obra que prometeu se fincar no apelo ao passado para montar sua trama e desenvolver o projeto nessa base. Faltou constância, inclusive nas ações a partir da segunda metade que não possuem o apelo de um Spielberg, ou ainda fora dessa comparação escrota minha, por si mesmas as cenas de ação são bem ajambradas na obrigação que uma grande produção tem a obrigação de apresentar, mas nada inesquecíveis. Corretas e ordinárias apenas.
Há ainda a questão da Inteligência Artificial usada para efeitos visuais nas cenas de rejuvenescimento de Ford, que exibem bom resultado nalguns planos, mas que ainda soam artificiais por demais noutros, mas que não prejudicam o resultado. Há de se melhorar este quesito e também há o que questionar em onde isso vai parar (algo que já está sendo debatido nos sindicatos sobre os usos de imagens dos atores). Ford ainda está lá dando integridade às cenas e sempre é bom ver o Indiana Jones em ação, que conta ainda com um elenco decente a defender suas cascas (a química entre todos eles em seus respectivos núcleos é boa), com o Mads Mikkelsen fazendo o que pode para propor um vilão a altura do que esse material teima em pedir.
A longa duração da fita não atrapalha quando pensamos em termos de ritmo e passagens sequenciais, mas o pior desperdício da fita é para com os usos do artefato da vez que vislumbra viagem no tempo. Principalmente por ser uma franquia que tem como protagonista um arqueólogo e que volta ao passado para se manter e usa dele como sua base geral. Com um infinito de possibilidades o filme se acovarda, nos dando apenas um vislumbre (sim, instigante) do que poderia ser feito. Uma pena. O filme anterior abraçara o exagero e o esculacho de forma aberta, sem subterfúgios, enquanto outros equilibravam ações e figuras, aqui não é o primor de um suposto equilíbrio que exista em pauta, mas sim um tom de indecisão sobre que caminho ou pauta se deve seguir. Vai na nostalgia sem pisar no acelerador assim como não vislumbra possiblidades futuras para outros personagens, e nem alopra o quanto poderia nas questões da já citada viagem no tempo. Acabou que a melancolia inicial do personagem de Indy acaba por ser percebida no coito interrompido que o filme assim se finda em apresentar.
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