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Godzilla vs. Destoroyah

(ゴジラVSデストロイア, Gojira tai Desutoroia, 1995)
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Críticas

Cineplayers

Gojira e seu derretimento visceralmente dramático

8,0

Godzilla vs. Destoroyah (ゴジラVSデストロイア, Gojira tai Desutoroia, 1995) Fonte: Divulgação Toho
Godzilla vs. Destoroyah (ゴジラVSデストロイア, Gojira tai Desutoroia, 1995)
Fonte: Divulgação Toho

Os filmes do Godzilla – no grosso – partem de escolhas de um desafiador ao poder do anormal imenso Gojira (seja ele do lado do Japão ou não – a depender das opções estabelecidas pelo estúdio Toho), e o circundar desse desafio se alavanca a trama na qual os humanos partem em sua saga para tentarem impedir maiores desmantelos. Não tem nada de novo nisso, porém aqui há o serviço oportunamente especial de um óbito do Godzilla nesta fase de obras dos anos 80 e meados dos 90 (a chamada Era Heisei das fitas do monstrão). Uma estratégia é vincular este fim com elementos do primeiro material de 1954 – Godzilla (ゴジラ, Gojira, 1954) – na perspicácia de aumentar a carga trágica dos acontecimentos, assim como impor um regime de necessidade brutal diante das possibilidades que o papocamento dessa figura poderá acarretar.

O bichão aqui está passando por um puta processo de superaquecimento de seu coração, que funciona como um reator nuclear e está pronto para destroçar a porra toda. Literalmente, já que a morte da besta-fera pode desencadear um processo em cadeia que iria pulverizar a atmosfera estraçalhando a vida no planeta Terra. Algo até exagerado, mas que funciona muito bem neste tipo de fita. Crédito dado ao roteirista Kazuki Omori, que busca costurar referências à saga, assim como não perde o foco do perigo iminente e ainda cria um dos melhores antagonistas da saga inteira. Como tem um tom de finitude de era, o material nos abocanha de tal maneira a nos deliciar com várias idiossincrasias da saga. Combates contra um exército de brinquedo, apetrechos diversos de sci-fi japonês, planos mirabolantes, núcleo humano num misto de inutilidade e resolução de problemas e danos dalguma maneira, dramas diversos entre personagens com frases feitas, agonia juvenil, trilha sonora bacanuda, monstros de borracha e muita pancaria entre eles. Além de pitadas de terror aqui e acolá. Como já afirmei, tudo isso consegue ser equilibrado enquanto percorremos um caminho de destruição do Gojira somado ao desespero dos organismos humanos com o acabar dos tempos. Um clima bem engendrado de urgência. O ritmo é mantido como uma montanha russa controlada através de uma eterna lembrança da tensão. Os respiros são membranosos, onde os humanoides sapiens buscam resolver suas próprias questões que sirvam para os diversos planos e confabulações inventadas para impedir um arrombamento global. E não há um teor acentuado de aleatoriedade aqui, já que os primatas cumprem bem suas funções no decorrer da minutagem desse negócio. Sempre dando grau de veracidade (dentro da verossimilhança interna dentro do que é mais ou menos estapafúrdio da saga). Mesmo que eu tenha um tesão por esquemas tresloucados de cinema, o filme aqui propõe uma sobriedade que funciona pela intenção de seu fechamento soturno. A manutenção minimamente coesa do todo dá espaço ao que realmente interessa: a pancadaria entre os monstros.

Godzilla vs. Destoroyah (ゴジラVSデストロイア, Gojira tai Desutoroia, 1995) Fonte: Divulgação Toho
Godzilla vs. Destoroyah (ゴジラVSデストロイア, Gojira tai Desutoroia, 1995)
Fonte: Divulgação Toho

O antagonista da vez Destoroyah (デストロイア Desutoroia, lit. Destroyer) segue uma linha já conhecida dessa cinessérie de ogros Gojira, que é a da evolução dos monstrengos durante o percorrer da fita até seu estágio final. Assim se acumulam estas fases, desafios e formas e demolição praticada por estes anômalos, com a Mothra como exemplo mais proeminente. E é nisso que o diretor Takao Okawara aproveita para impor ameaça com esta nova monstruosidade. Desde seu ciclo de crustáceo menor (o animal é proveniente de origem pré-cambriana), perpassando tantas outras até chegar no seu colossal final. Numa metamorfose intermediária referencia longas de terror que possuem cenas em instalações escuras - fábricas e os caralhos - e os brutos atacando. Remete até a Aliens - O Resgate (Aliens, 1986), inclusive na boquinha dupla que dá as caras. O desejo é demonstrar o quão esse hediondo de fato é perigoso no que parece ser ainda inextinguível, e que caminha para o choque contra outra aberração que está para explodir o planeta. Uma briga direta de grandes proporções. E sua origem é deveras curiosa e oportuna/oportunista. Desperta para a mutação após uma explosão provocada para aniquilar com um determinado monstro outro: Godzilla de 1954. Sim, a mesma bomba destruidora de oxigênio que tirara a vida do bichão de 1954 modificara a estrutura de uma colônia de crustáceos microscópicos, que foram acordados nos anos 90 e quando partem para a superfície a se alimentarem, rapidamente evoluem. Essa saga tem como características dalguns filmes um vai e vem de temáticas buscando seguir o que a contemporaneidade momentânea da vez está a incidir. Por isso há o usufruto relacionado à forma como o Japão lida com a energia atômica, seja pela catástrofe ou por culpa própria a posteriori, já que o mesmo Japão apostaria em usinas nucleares para compor sua matriz energética. Nisto há sempre um retorno da questão quando o propósito é levar o negócio a um campo duma seriedade mais firme. O Godzilla representa literalmente uma bomba atômica. Ele vai explodir. A representatividade dessa questão agora é mais visceral, o monstrengoso não só destrói cidades em maquete, mas seu vínculo com um possível término não é só com o que existe na diegese, mas no que o próprio Japão teria visto de perto na segunda Guerra Mundial. Algo que não é obviamente citado, mas é uma lembrança de uma ameaça que tanto aterrorizou os japoneses. E neste material se faz isso invertendo a questão quando propõe um antagonista como Destoroyah, que representa o mal endemoniado encarnado, de feições a lembrarem uma espécie de diabo abissal das profundezas – e criado pelo próprio Japão por conta de um combate a outra figura que os ameaçava. Um eterno retorno a perversidades que as criaturas humanas continuam a proporcionar. É um contraditório tanto para oportunizar um conflito entre abomináveis que possa render bons frutos de drama e ação, assim como ameniza a vilania representativa do Gojira como bomba ambulante, afinal ele vai ter que lutar contra um suposto mal maior (o que justifica o visual tão radical do kaiju escroto Destoroyah). A Toho quis manter o heroísmo de sua cria mais conhecida, mas não sem um aceno para sua própria história mítica de criação e para a história do Japão.

Godzilla vs. Destoroyah (ゴジラVSデストロイア, Gojira tai Desutoroia, 1995) Fonte: Divulgação Toho
Godzilla vs. Destoroyah (ゴジラVSデストロイア, Gojira tai Desutoroia, 1995)
Fonte: Divulgação Toho

Inclusive o forte uso das cores corrobora a tensão. Com um vermelho poderoso e rude pertencente a ambos os kaijus ambiciona a gravidade daquele embate. A fumaça, as gosmas, o arraso geral, o ambiente sendo aloprado, o conflito catastrófico. A intencionalidade de fechamento de uma era é sacramentada nas mais variadas searas, desde o derretimento do Gojira propriamente dito quanto a última parceria do grande compositor Akira Ifukube no comando da trilha sonora unindo temas clássicos seus repaginados, assim como compondo novos temas que sintonizem o filme no grau de tamanho, urgência e grandiosidade a que o Gojira merece. O cuidado dos usos de todos esses ingredientes desse caldeirão monstruoso serve de maneira sagaz (mesmo que o ritmo caia por vezes, seja pelo excesso de personagens ou pelo esticamento de subtramas) e, assim, permita que o clima de solitude final engrandeça a despedida de um mito.

Mesmo que a fita ainda possua alguns maneirismos da saga, agora meio que escanteados ao focar num encerramento provável – diferentemente dos últimos filmes da Era Heisei até então – o material aqui sibila mais seriedade. Há uma tentativa menos escalafobética na lisergia dos elementos que compõem esse troço. Sem viagens no tempo, 'homines sapientes' [o plural de Homo sapiens é um vespeiro acadêmico, mas foda-se, estou aqui escrevendo sobre um mito histórico-pop – me dou ao direito de frescar (tergiversação/digressão marota minha)] miniaturizados, alienígenas e a porra toda. Levando em consideração o nível de lombra que os anteriores propunham, o sarrafo é esse. O foco, de fato, é bem decidido e pavimentado de forma a preparar o combate final que prometia um findar de uma colossal figura pop. A delícia dos kaijus de borracha e do exército de brinquedo altamente armado. Contando também com excelente visual desse Godzilla da Heisei. Bruto. E doloroso/dolorido. Afinal, estando em processo de acabamento em aproximação, o bicho é tratado também como a sentir tanto dor física quanto psicológica. Afinal, ainda é uma criatura. O mal encarnado de outrora é um ser dramático. Ele sabe de seu fim e segue perambulando no aguardo da execução suicida não programada de seu corpo. E o brabo irá voltar/retornar/regressar/tornar/reaparecer /volver/revir/ressurgir.

Monstruosidadis precariedadis.
Parte do especial Monstruosidades Imensas

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