Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr. estreiam na direção de longas-metragens abraçando um tipo de cinema autoral cada vez mais frequente, só que ao mesmo tempo sempre difícil. Isso tanto para arrebatar grandes públicos, em função da forma racional e sensorial, como para alcançar resultados totalmente eficazes. O voo alçado pela dupla aqui é eficiente como experimentação de linguagem, mas limitado como experiência dos sentidos.
No interior de Minas Gerais, Bastú vive a rotina de um lugar onde o tempo, no significado de progresso, ainda não deu as caras. Tudo é arcaico e quase vazio. A partir desse entendimento, Girimunho falará, basicamente – mas não só – do tempo, seus efeitos e a percepção sobre ele. Até por isso, a escolha é por uma narrativa ora lenta - às vezes em excesso - ora cadenciada. Mas é por discutir essa questão que cabe ao espectador, e sua interação com as imagens, perceber o próprio andamento da história e a possibilidade dela ser maçante ou prazerosa. O meio termo, entretanto, também surge como opção válida.
Assim, Clarissa e Helvécio tentam embarcar no estilo de cinema sensorial dividido entre Apichatpong Weerasethakul e Terrence Malick. Se há o flerte com o sobrenatural do primeiro, há toda exploração de imagens e grandes paisagens do segundo, enquanto os personagens refletem, para si, em forma de oração, confissão ou poesia, seus próprios sentimentos íntimos. Bastú logo se depara com a morte do marido, Feliciano. Mas, dentro de sua imaginação ou de sua sensibilidade para o sobrenatural, continua a sentir e ouvir – talvez ver – Feliciano durante os dias que sucedem a morte dele. Ela escuta barulhos comuns à época em que o marido estava vivo, como o mexer de ferramentas e utensílios. A simples presença dos pertences e objetos dele pela casa são, para ela, motivo para senti-lo presente. Por isso, mais tarde, faz as malas rumo à água.
O luto é velado e disfarçado, e o tempo, que parece ser aliado apenas de Bastú, se encarregará de curar as feridas. Isso porque Bastú se impõe a proibição do chorar - algo que diz ter feito apenas uma vez na vida. Esse impedimento foi aprendido com o marido, muito mais afeito as gotas da cachaça do que das lágrimas. As netas da personagem são importantes figuras para desvendar justamente o caráter mítico de Bastú, a senhora que detém a sabedoria sobre o tempo. Assim sendo, também sobre a vida.
Se para ela tudo parece sob controle mesmo quando está sem chão, uma das netas é capaz de entrar em desespero ao saber que a outra ficará dois anos fora. Esse período, para elas, é uma eternidade. Se para nós, vendo aquele contexto de poucos atrativos e vazio total de perspectiva, esse tempo parece extenso, só a Bastú e a sua áurea poderia ser algo poético. Em seus versos esporádicos, discorre sobre o tema, até culminar na reflexão sobre vida, morte e sentir-se vivo. Exatamente o ponto de partida e outro tema latente em Girimunho.
Para retratar tudo isso, a linguagem empregada pelos diretores fica no limite entre o ficcional e o documentário. Mas muito mais do que a linguagem semi-documental percebida por tantos, o longa se aproxima de verdade do tom naturalista, buscando pouco manipular o tempo e retratando a realidade nua e crua. Grandes paisagens, folhas e objetos captados sem pressa por uma câmara que insiste em registrá-los mesmo sem ação, além de enquadramentos fora de campo. Este detalhe, somado aos planos amplos de mar, céu e elementos da natureza reforçam a impressão de flerte com o além.
A fotografia também é reforço da estética naturalista, com a ausência de iluminação externa em quadros feitos com pouca ou nenhuma luz artificial, tanto de dia quanto à noite, mesmo que apenas um poste seja capaz de tornar a cena visível. Os cenários bastam como fonte de claridade e a escuridão, obviamente, é arma importante para a fantasia sobre vida, morte e tempo. Na poesia das imagens, entretanto, ainda se mantém distante da gama de significados do cinema que tomei como exemplo no início, o de Malick, muito mais belo e reflexivo em suas opções estéticas ao tocar o racional e o emocional simultaneamente. Já Girimunho fica restrito à racionalidade, em um filme mais seco e duro, com a percepção de seus temas centrais limitada justamente por isso. Ressalva-se, entretanto, sua funcionalidade.
6,5
Rá, percebeu as mesmas referências que eu! 😁
Filme difícil de se criticar, gostei de sua percepção, Emilio. Ótima crítica, parabéns!
Me avisaram desse filme há pouco tempo. Para quem é de Belo Horizonte, ele está em cartaz no Usiminas Belas Artes