Uma história de amor sem distinção de sexualidade.
Flores Raras (idem, 2013) vem sendo especulado como postulante brasileiro ao Oscar, nos bastidores do cinema nacional, desde que ainda circulava sob o título Você Nunca Disse Eu Te Amo. Em entrevistas, o veterano Bruno Barreto demonstrou que a perspectiva otimista emanava da equipe do filme, quiçá do próprio, que compara seu novo filme com o premiado O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005) e lembra que Ellen Degeneres será a próxima apresentadora da premiação. Todo esse lobby soa um tanto apelativo, porém legítimo se relativizado que o cineasta enxerga o projeto como uma nova oportunidade 16 anos após a indicação de O Que é isso Companheiro? (idem, 1997), e desde que o longa-metragem atenda a essa expectativa. Será?
O filme é uma adaptação do romance Flores Raras e Banalíssimas, obra que se propõe a contar a conturbada relação entre a poetisa norte‐americana Elizabeth Bishop e a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares. Introspectiva e insegura, Bishop empreenderia surpreendente coragem numa insólita aventura ao Brasil da década de 50, onde experimentou os efeitos colaterais da vida no país de maneira literal e emocional e se tornou pivô de um triângulo matrimonial lésbico – situação responsável por um coquetel de estímulos que seria incorporado à sua obra e moldaria sua fase mais criativa. Por North and South – A Cold Spring, Bishop ganhou um Pulitzer e a confiança. Eis o início do pesadelo de Lota, obcecada pelo controle de si e das mulheres de sua vida. Porém, também nesse período emocionalmente atribulado ela idealiza e constrói seu grande feito, o Aterro do Flamengo.
Em um primeiro momento, o cinema “quadradão” de Barreto se mostra aquém do material original por retratar com excessiva artificialidade a aproximação entre Bishop e Lota. Suas personalidades entram em choque, elas se odeiam de imediato, e de forma igualmente abrupta elas se apaixonam. O elo que confere profundidade a esse desinteressante passo a passo de “construa uma grande história de amor” é Mary, amiga da escritora e primeira esposa da urbanista. É seu ressentimento que estimula o alcoolismo de Bishop, que fica irascível e se põe a escrever – ato este que manifesta em Lota olhares de insatisfação flagrante e leve insegurança. A dependência de Bishop, uma estrangeira que não conhece ninguém no Brasil, é sua única garantia de que ela será toda sua. Na vida de Lota, sempre foi ou tudo, ou nada, e ela sempre teve tudo. Não mais. Enfim estabelecida a complexidade prevista na obra de Carmen Lucia de Oliveira.
Seu texto ganha notável peso dramatúrgico graças à excelente atuação de Miranda Otto, sempre na medida dos altos e baixos de sua personagem, e pelo admirável desempenho de Glória Pires no uso do inglês, predominante na projeção. As atrizes lidam naturalmente com a homossexualidade de suas personagens, e é justamente aqui onde também reside o grande acerto de Bruno Barreto: não interessa ao cineasta tratar a orientação sexual das personagens como um tabu. Seus dilemas e atritos pessoais são o foco, e são universais. Igualmente errado seria ignorar a existência do problema – que se estende até 2013, tempo de cura gay – e, para Barreto, basta citar, com sutileza, a forma mais brutal do preconceito: aquele que parte de dentro de casa, egoísta ao ponto de se sobrepor à felicidade de uma filha bem-sucedida e independente. Apesar do orgulho de Lota, é evidente como a situação mexe consigo e reflete em sua vida, especialmente no tratamento que dispensa a Elizabeth e Mary.
Infelizmente, o rigor formal do cinema praticado por Bruno Barreto impossibilita um molde mais adequado para o roteiro, que transita de maneira grosseira do drama familiar para a reconstituição narrativa da tempestuosa cena política brasileira da época. Ainda assim, é interessante acompanhar o engajamento de Lota, amiga íntima de Carlos Lacerda (Marcello Airoildi), com a ascensão dos militares, e como esse posicionamento político (outra herança de seu pai, o influente José Eduardo de Macedo Soares) também destoa da perspectiva mais ampla e límpida de Bishop, dotada de uma bagagem cultural que permitiu observar que a iminência de um golpe militar significava a instalação de uma ditadura, uma contradição à essência do povo brasileiro – em sua visão é representada por um grupo descontraído que bate bola em um fim de tarde na Praia de Copacabana.
O desfecho episódico de Flores Raras é morno e incondizente com o trágico fim da história de amor entre Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares. Reflexo da limitação de Bruno Barreto, esse aspecto confere à meia hora final um quê de propaganda institucional encomendado pelo Rio de Janeiro (como, aliás, a péssima arte do cartaz e a profusão de patrocínios estaduais nos créditos iniciais denunciam), e uma forte vocação para exibição em capítulos na TV aberta. Mas, justiça seja feita: no momento, uma produção com fotografia, direção de arte, atuações e outros elementos técnicos profissionais se destaca, e muito, dentro do cenário cinematográfico nacional, especialmente entre os filmes com maior apelo comercial, o que dá ao cineasta o direito de sonhar em representar o Brasil em festivais importantes mundo afora, inclusive no Oscar. Quanto a beliscar alguma indicação ou conquistar um prêmio, o buraco já fica mais embaixo. Bem mais embaixo.
Na verdade, ele não vai ser indicado porque não é elegível (a maior parte do filme é falada em inglês). Mas, se pudesse, com certeza seria o escolhido.
E nada é impossível, mas neste caso é muuuuito improvável. Fica a torcida por O Som ao Redor, caso isso seja possível.
Até o Quatrilho já concorreu. Impossível ser pior.
ops, "comportamento imoral"? 😲😲😲😲😲
As duas atrizes protagonistas se destacam em um filme mediano.