Um dos maiores atestados de positiva anarquia no cinema brasileiro dessa década, Tatuagem resplandecia diante de seus micro defeitos como uma porta diferente a ser aberta na nossa cinematografia, uma ode à liberdade de expressão que talvez em 2019 seja ainda mais necessária que em sua estreia para desmascarar o falso puritanismo crescente no país. Em busca de mais uma vez retirar os véus por onde se encobrem os reais desejos de cada um, Hilton Lacerda encontra nova maneira de hastear essa bandeira, com resultados acertados quando o mergulho nessa temática é inteiro.
Ao filmar a fina flor da juventude atual espelhando o espírito do Chão de Estrelas de Clecinho e cia, Hilton se comunica com 40 anos no tempo para mostrar que os valores não mudaram, lá ou cá. Os artistas ainda serão libertários em qualquer tempo, e infelizmente o entorno a eles avançou pouco - ou até regrediu, vide o lugar político onde o país se encontra hoje em relação a uma década atrás. Se no filme anterior a repressão era olhada com uma lupa para o passado, em Fim de Festa estamos nos dias de hoje matando foliões no Carnaval.
O longa abre com um torso nu de mulher a vagar por um apartamento, saindo da escuridão e se mostrando atuante e confrontante - não se veste nem diante de reprimenda masculina. Esse é o espírito de um lado do filme, o pomo solar e algo hedonista que busca o amor, o prazer e olha para o futuro com tanta sede como com parcimônia. Não há nessa juventude uma velocidade típica do 'yuppie' americano; vamos vencer, mas no nosso tempo e do nosso jeito. O filme encontra uma clareza de relações com a geração anterior nessa seara da produção, onde pais e filhos já não compartilham do mesmo pique, mas onde os afetos predominam e são necessários, buscado por ambas as idades.
Ele então abre seu flanco para outro pomo, uma investigação policial sobre um crime ocorrido na segunda feira de folia. Esse outro lado, junto à uma boba inserção de um representante fictício de mídia independente que age entregando a "verdade sobre o caso", diminui a força da produção, ainda que o trabalho de direção não se envergue e que, vez por outra, excelentes momentos surjam da mesma, como o interrogatório ao viciado que testemunhou o crime, absolutamente impagável. Mas no geral essa situação é dispersiva e acentua problemas do filme em relação a uma tomada de posição meio quadrada quanto às discussões familiares que ele apresenta em melhor formato fora dali. Ariclenes Barroso e Suzy Lopes se isentam de culpa em belos momentos.
No núcleo afetuoso do filme, praticamente tudo funciona. À exceção de uma cena de repressão sobre nudez na praia, que parece muito deslocada, todas as sequências exalam naturalismo e vida, como todas as colocações de Angelo a respeito de sua mãe. Ou a participação muito pequena, mas cheia de profundidade de Hermila Guedes. E principalmente todo o carinho que exala entre Irandhir Santos e Arthur Canavarro, que vivem uma relação de pai e filho comovente e que se equilibra entre a necessidade de um e o aconchego do outro. Toda a linha narrativa de Fim de Festa se constroi a partir da inserção do personagem de Irandhir nos dois núcleos, mas é graças ao seu olhar paternal a todos a sua volta que um núcleo funciona bem mais que o outro. Ainda que seja um pai em busca de colo, em mais um momento transcendental da carreira desse ator brilhante.
Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio
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