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Críticas

Cineplayers

Alfonso Cuarón acerta em seu filme sobre uma pessimista visão do futuro.

9,0

Alguns diretores independentes têm se arriscado no difícil gênero da ficção científica, Steven Soderbergh tentou com mais uma versão de Solaris, Thomas Vinterberg falhou no Dogma do Amor (It's All About Love) e Darren Aronofsky apostou tudo no recente Fonte da Vida (The Fountain), mas quem se saiu melhor foi Alfonso Cuarón, o diretor mexicano que alcançou notoriedade com o sexy E Sua Mãe Também (Y Tu Mama Tambien), já tinha sido bem sucedido no gênero fantástico com o terceiro capítulo da franquia Harry Potter: O Prisioneiro de Azkaban, mas com Filhos da Esperança ele se supera.

Theo (Clive Owen) pode considerar-se afortunado, ele trabalha e mora na Inglaterra de 2027, um dos poucos países que ainda não sucumbiram ao caos que se instalou ao redor do mundo devido ao fato da humanidade estar à beira da extinção. Não nascem bebês há 18 anos e o país tenta se proteger da invasão de imigrantes, que fogem das péssimas condições dos países vizinhos. Ainda assim, suja e à beira da anarquia, com ameaças de atentados a qualquer momento, a própria Inglaterra parece agonizar. Nesse cenário, Theo acaba sendo afastado de sua rotina ao ser envolvido pela ex-mulher (Julianne Moore), ativista política e terrorista, numa aventura para escoltar uma adolescente grávida ao barco de uma misteriosa organização a fim de que ela possa dar à luz em segurança.

A escolha por acompanhar quase o tempo inteiro apenas Theo acaba limitando o desenvolvimento dos personagens paralelos ou de fatos que dariam uma maior explicação da situação mas, com 109 minutos, Filhos da Esperança é um filme enxuto e direto, algo louvável em tempos de filmes de três horas que quase sempre necessitam de uns quilos a menos. Aqui, tudo o que é mostrado é essencial, muitos detalhes são revelados apenas por elementos visuais, como fotografias e recortes de jornal e os mais atentos serão recompensados também por inúmeras referências culturais, que vão desde imagens que evocam os prisioneiros de Abu Ghraib à capa de um disco do Pink Floyd, é uma narrativa incomum numa época em que os filmes tratam as platéias pelo menor denominador comum, não deixando espaço para se refletir e observar.

Clive Owen com sua aparência mundana e seu cinismo, foi uma ótima escolha para o papel principal e por estar onipresente, se torna um veículo do ator  que demonstra excelente alcance e presença de cena. Seu personagem assim como todos os outros, possuem um significado mais metafórico do que simplesmente dramático. Theo representa de uma certa forma a todos nós, que tentamos levar a nossa vida conscientes de tudo o que está errado à nossa volta mas apáticos demais pra reagir, isso é especialmente delineado pela cena inicial em que o mundo inteiro parece parar em comoção à morte do "Bebê Diego", um rapaz que era o ser humano mais jovem do planeta e apenas por isso transformado em celebridade, mas Theo ignora e despreza esse comportamento. Se você se indentifica mais com Theo do que com os fãs do bebê Diego, esse filme vai ser bem mais fácil de compreender. Fechando os destaques do elenco, Michael Caine como o velho amigo hippie de Theo, um papel meio caricato mas simpático, Caine se diverte mas também consegue alguns momentos tocantes.

A parte técnica é impecável, os já famosos planos sequência (sem cortes) são utilizados durante o filme todo em maior ou menor importância, mas no terço final quando a ação começa a tomar conta, somos brindados com alguns planos de cair o queixo, realizados não apenas como uma demonstração de virtuosismo técnico mas ao escolher o recurso, Cuarón consegue intensificar os momentos mais significativos tornando-os realmente impactantes, um trabalho de mestre na direção. O uso de computação gráfica numa cena chave foi ousado e incrivelmente realista, soma-se a isso a excepcional direção de arte e fotografia, que criam imagens desoladoras de um futuro onde o lixo e a poluição visual da propaganda são onipresentes, e temos uma das obras visualmente mais poderosas do ano. 

Apesar de todo o clima opressivo o filme possui vários toques de humor, o que deixará alguns espectadores confusos quanto ao tom que o filme tenta atingir mas que se revela absolutamente necessário para tornar a história mais humana e aproximá-la do público. Afinal, é da nossa natureza ver o lado cômico de qualquer situação, por mais desesperada que ela possa parecer. Mas a mensagem do filme é otimista na minha opinião, ao aceitar embarcar na aventura mesmo sem nem saber ao certo o que procura, Theo pode ser visto como um exemplo de que podemos mudar a nossa situação e o futuro, se deixarmos nosso estado de alienação voluntária e agirmos. O título em português foi feliz (um caso raro) já que a esperança é o que move os personagens.

Distopias são um tema recorrente no cinema de ficção científica e Filhos da Esperança se junta aos melhores exemplares do gênero. A visão concebida por Cuarón, baseada num romance de P.D. James, é deprimente e assustadoramente plausível por se inspirar no mundo atual e levá-lo ao extremo. As melhores fantasias sempre são um reflexo da condição humana e Filhos da Esperança se vale dessa máxima com louvor.

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