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Críticas

Cineplayers

O processo do amadurecimento sob o olhar de Greg Mottola.

8,0

James acaba de se formar no colegial e planeja viajar para a Europa com seu melhor amigo. James foi deixado pela garota que ele julgava gostar, com quem desejava consumar a experiência da primeira transa. James está prestes a se mudar de cidade, ir para Nova York, vivenciar o novo mundo da faculdade, da vida adulta e cheia de responsabilidades. Mas James não poderá mais viajar, graças a uma relativa crise financeira que seus pais estão enfrentando, e será obrigado a permanecer no mesmo lugar durante o verão. James terá que conseguir um emprego, juntar dinheiro para poder se mudar, deixar de lado a maior parte de seus sonhos de antes e enfrentar a crueza deste seu momento de transição. James está perdido.É nessa perdição que Greg Mottola realiza seu pessoal Férias Frustradas de Verão. E é nessa faixa transitória de um mundo que se perde dentro da vida que o universo diegético do filme se ergue imponente.

A Europa idealizada, colocada como fuga do universo real, cai por terra e abre caminho para que a quebra da fantasia seja estabelecida, desde os primeiros momentos do filme, já que nunca iremos ter acesso ao tal sonho primitivo nas cenas que se seguirão. Pelo contrário, o destino de James é um parque de diversões decadente, que burla regras básicas de boa conduta para se manter em funcionamento, chamado ironicamente de Adventureland. A “terra de aventuras” do título original poderia ser também um sinônimo do ideal fantástico, em teoria, mas o que é imposto a James – e aos espectadores – para que não restem dúvidas de que ali se viverá uma faixa de vida, não somente qualquer mera projeção, é a mais completa realidade (ou surrealismo, ou realismo fantástico, ou não-realidade real, ou qualquer outro termo que dê conta de ser ao mesmo tempo indefinível e paradoxal). James é lançado brutalmente de encontro à “realidade” (não é ela que é imposta a ele, simplesmente), pois o mundo o acua diante de suas impossibilidades. A complexidade do desenvolvimento narrativo reside justamente na força sutilmente pontuada na mais leve das comédias. Chega-se ao ponto de um iminente confronto mortal ser posicionado para que as brincadeiras sejam deixadas de lado e a seriedade considerada, ainda que num meio de aparente leveza. Ao escapar da “morte”, James encontra seus suspiros de vida, no interesse por Em.

Em não é perfeita e será em sua insegurança que James depositará suas esperanças (e a escalação de Kristen Stewart parece acertada, já que a incapacidade da atriz em encarar os outros atores nos olhos serve muito bem à personagem). Os dias que passarão juntos serão mais simples que qualquer expectativa poderia anunciar, tanto para ele quanto para o público. Em e James serão comuns, assim como seus momentos parecem constituir esse jogo do ordinário de modo concreto, pois será no cotidiano que todos eles encontrarão as razões para que sejam desenvolvidas suas personalidades. Apesar de uma parcela do ordinário ser colocado em foco, o filme encontra também no projetado os motivos para suas conclusões e para que o paradoxo do comum seja evidenciado. Se na presença de Em, James se sente bem, a aparição de Lisa P., uma imagem por si só, é também um desafio à sua existência, ainda que nunca se torne uma divisão real dele próprio. E no parque, a instituição, se revela a mais emblemática das alegorias estabelecidas pelo filme.

Realizado como um projeto biográfico sobre o verão que Mottola “perdeu”, Adventureland está completamente deslocado do espaço. O parque como um personagem que acaba se revelando (além de todas as figuras que ali “habitam”), não parece ter um limite claro dentro dos próprios limites do filme, como se estivesse ao mesmo tempo à parte e constituindo o mundo convencional de James. Não é possível compreender distâncias e tempo quando o filme foca nos dias passados dentro do Adventureland (mesmo sem a utilização de elipses), como se tudo realmente estivesse perdido num ponto da memória. E a memória é desenvolvida e compartilhada com os espectadores de modo fluido, sem que muito seja explicado para que a interação possa ser estabelecida. Também é concedida aos personagens uma espécie de respeitabilidade estranha, pois com a abordagem de aproximação de James, todos os outros ficam atados a uma linha superficial, ainda que positiva. Não os conhecemos tão bem e por isso mesmo não é possível ou justo julgar inteiramente seus atos, pois todos estão humanizados diante de nossos olhos, mesmo em seus erros - e muitas vezes por eles, inclusive.

Ainda que seja possível identificar o momento dentro de uma vida em que as tais mudanças aconteceram para o personagem e para o diretor (e novamente Jesse Eisenberg encarna o alter-ego de um cineasta, depois de mal vivenciar a separação dos pais de Noah Baumbach em A Lula e a Baleia), afinal possivelmente corresponderia ao mesmo espaço dentro de nossas próprias linhas do tempo, o filme em si é um enigma. Encaixando-se numa espécie de escola, cada vez mais recorrente no cinema recente, sobre o trato da tal fase de mudanças para a vida adulta (retratada desde o horror gerado pelas decisões do personagem principal em Paranoid Park, de Gus Van Sant, ao caos hilariante da tentativa de três jovens em adquirir bebidas para uma festa e serem aceitos - e transarem - antes de irem para a faculdade em Superbad - É Hoje, também de Mottola) Férias Frustradas de Verão se difere dos outros justamente por estar posicionado num tempo impossível, de certo modo. Não somente o tempo do personagem e de seu universo, tampouco o tempo real, mas um tempo universal geral. A escolha de Mottola em localizar o filme nos anos 80 vai muito além de ser coerente com a época em que os fatos aconteceram de fato; é também coerente com a própria alma do projeto. Se a década de 80 é tida como um mundo paralelo, a “década perdida”, onde tudo e nada foi feito, o filme está ali para ser seu reflexo, onde tudo e nada é possível. É como esse ponto da adolescência, onde não se é jovem demais para ser irresponsável e nem adulto ainda para ser independente. Não somos algo para descobrirmos ser tudo e será essa a jornada de James e suas provações, num eloqüente efeito dominó.

A provação de ser maduro ao tentar proteger uma pessoa que o magoou, ao tentar não perder a cabeça depois de perder as economias de todo um trabalho por ter feito uma bobagem gigante (decorrente da decepção), por ter todo um futuro em cheque, por conta dos erros cometidos e por ter que ser maluco em mergulhar de cabeça em sua própria condição. Na cena da chuva, a total definição da fusão dos dois mundos: enquanto Em se protege sob um guarda-chuva, cautelosa em não se magoar depois de tantos equívocos, seus e alheios, James permanece entregue, molhado, sendo inundado por um temporal pleno, dos próprios sonhos e da própria realidade, disposto a perder tudo para achar um rumo. E assim, James se encontra.

 

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