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Críticas

Cineplayers

O consumo que prejudica todos.

4,5
Feito na América começa promissor ao retratar um diálogo com a transição entre anos 70 e 80. Essa inserção de contexto do personagem que aos poucos se percebe num mundo maior do que pode controlar, como as grandes jornadas de crime, guia um olhar interessante que o cinema americano se especializou em transformar em filme de gênero. A sedução do crime continua um paraíso para as críticas ao consumo, e é justamente por isso que Feito na América surpreende pelo desinteresse.

A forma que esses locais de guerra são filmados ironiza a forma que os Estados Unidos olha esses lugares, todos campos verdes e cercados por homens com armas que atiram a esmo no avião de Barry Seal, e o roteiro sugere volta e meia textualmente esse descaso cultural com outros países - como El Salvador sendo confundido com Nicarágua. Os momentos farsescos do filme, em cenas como das quatro instituições policiais vindo prender Seal ao mesmo tempo, representam das poucas vezes que Liman demonstra uma desconfiança no seu registro romantizado, e muito por isso funcionam. Quando está na cidade, no mostrar de influência das ações daqueles personagens ali em tela, o filme é bem menos feliz ao suprimir o ambiente com a falta de espacialidade clara pela fotografia de César Charlone. O que alinha o protagonismo de Seal com o roteiro fragmentado é menos nessa influência mal filmada de sua intervenção enquanto homem poderoso e mais sua escalada pelo poder como comentário de uma cultura americana.

Essa fixação pelo progresso financeiro mesmo nas relações escusas das agências americanas é abordada no respeito do personagem vivido por Domnhall Gleeson por Seal. A relação dos dois passa muito pela alteridade dos self-made men, que entendem as necessidades de aproveitar oportunidades nessa lógica comercial distorcida disfarçada de patriotismo, mas essa ambiguidade nunca é aprofundada ou colocada em perspectiva histórica; é um filme menos de cenas construidas para provocar conflitos e mais um conjunto de relatos soltos e desleixados sobre uma política e uma época.

A ideia de construir esse panorama de relações políticas, ao longo de anos e continentes, acaba sacrificando a posição do filme sobre as questões ali retratadas. Doug Liman se contenta em filmar o estilo e a variedade geográfica da jornada de Barry Seal sem propor no que ela implica enquanto projeto de fundação de um país, seja no coletivo ou no individual, e isso reduz Feito na América a um travelogue semi-jornalístico sobre essa época de mudanças de poder financiadas pelos Estados Unidos ao longo do continente. É espantosa a falta de modulação da montagem, saltando de momento em momento sem precisão na marcação de espaço e de tempo, cheia de acumulados reiterativos que pouco acrescentam a uma ideia óbvia do arco de perigos e seduções do crime.

O fato da direção de Liman, que começou a carreira no ritmo enérgico de Go e A Identidade Bourne, acaba genérica diante da fotografia de Charlone, quem verdadeiramente impõe um estilo visual ao filme, e a abordagem de lentes abertas e múltiplos pontos de vista transforma tudo em uma bagunça de encenação que se propõe veloz e estilosa, mas é só completamente bagunçada. Não existe tensão na construção de atmosfera, nem senso de espaço, muito menos de perigo; a concentração no mero registro, que emula mal os cacoetes da ironia de um cinema de gênero, acomete qualquer possibilidade de imersão naquele mundo vasto e rico em temática.

Falta rosto a Feito na América, uma surpresa e tanto ao se tratar de um veículo de Tom Cruise, surpreendentemente mal escalado no papel. O carisma do astro (muito melhor em No Limite do Amanhã, sua parceria anterior com Liman) acaba servindo a esse ideal de homem influente usando do charme para manter os territórios que seu dinheiro conquistou, mas não segura transformação alguma, não constroi uma jornada por essa sedução do crime e do consumo. Tudo é assimilado desde o princípio, e não existe diferença alguma no registro do Barry Seal piloto comercial e do Barry Seal narcotraficante e contrabandista de armas.

Filmes recentes como O Lobo de Wall Street tentam atualizar essa jornada de ascensão financeira dos consumistas americanos ao propor uma sedução imagética e atmosférica do mundo de excessos que estão a adentrar, e essa modulação dramática é fundamental para a construção do personagem principal. Em Feito na América, acompanhamos com desinteresse as "aventuras" de Seal, personagem devidamente esvaziado pelo panorama e pela necessidade do registro opaco e indiferente, num filme tolido de despertar sensações no espectador em nome dessa manutenção do lugar de conforto.

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