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Críticas

Cineplayers

Uma obra-prima do cinema, perfeita em todos os aspectos.

10,0

O Clã Douglas

Talvez, mais brilhante que o mérito de Milos Forman por ter dirigido essa obra-prima do cinema mundial seja a história da produção em si. Um sonho de Michael e Kirk Douglas que apenas após muita luta, muito trabalho e muita espera conseguiram filmar “One Flew Over The Cuckoo’s Nest”.

Tudo começou há muito, mas muito tempo atrás mesmo, mais precisamente no ano de 1961 quando um homem chamado Kirk Douglas carregava uma paixão consigo. Kirk, desde que lera o livro que deu origem à “One Flew Over The Cuckoo’s Nest” ficara encantado com o mesmo. E isto, graças a deus, passou de pai para filho, tamanho a admiração do ator pelo projeto. Michael Douglas sempre compartilhou e conservava a mesma paixão pela obra que seu pai (mais tarde mostrarei o porquê da importância deste fato).

Curiosidades a parte, o fato é que Kirk Douglas levou sua paixão pelo livro a um lado muito mais prático e passional; o ilustre astro do cinema acabou decidindo por levar o projeto aos teatros de todo o mundo; era uma ambição grande, entretanto, Kirk acreditava cegamente na grande capacidade que a obra possuía.

Infelizmente, o sonho desse grande homem quase veio por água abaixo. Sim, a peça foi um fracasso total, absoluto. As pessoas não compreendiam a essência da peça ou a mesma não passava uma certa fidelidade ao público como o filme ou o livro, por exemplo. O público simplesmente não entendia (e não gostava!) da forma como os atores (cujos personagens eram doentes mentais) eram tratados e assim, acabaram causando uma certa aversão à peça. Por conseqüência desse “mau recebimento” do público, a obra veio a fracassar do ponto de vista econômico (e rentável) cinco meses após sua estréia.

Kirk chegou até mesmo a abaixar o seu próprio salário para manter sua paixão acesa e pediu para que os outros atores fizessem o mesmo, entretanto, eles não o fizeram. Pronto, estava enterrado um dos maiores sonhos de Kirk; contudo, o mesmo nunca descartou a possibilidade de rodar a peça mais uma vez.

Michael Douglas, vendo, vivendo e nutrindo a paixão de seu pai, acabou por tomar as rédeas do projeto e decidiu levá-lo a frente mais uma vez, mas agora adaptando-o aos cinemas, ao invés dos teatros. A missão era difícil, até porque depois do fracasso da peça nenhum grande estúdio gostaria de realizar a película, portanto, o projeto iria dispor de um orçamento muito, mas muito reduzido mesmo e Michael sabia disso como ninguém.

A Procura Por Um Elenco

Michael, agora líder do projeto e produtor do futuro filme, e Kirk não tinham dinheiro algum para gastarem com “grandes astros” do cinema no elenco de “Um Estranho no Ninho”, entretanto, eles sabiam que precisariam de um grande diretor para a obra. Em uma de suas viagens pelo mundo, Michael e Kirk encontraram um amigo e jovem diretor chamado Milos Forman e, depois de longa conversa, eles perguntaram a Milos que se eles enviassem um livro para o diretor e se ele gostasse, ele consideraria a hipótese de levar o projeto às telonas. A resposta de Milos foi imediata, um claro e sonoro “sim”!

Anos se passaram, o livro já tinha sido enviado a Milos, contudo, o mesmo nunca respondera aos chamados de Kirk e Michael. 10 anos se passaram mais precisamente quando Michael resolveu mandar outra cópia do livro para Milos (sujeito tão persistente quanto o pai esse Michael Douglas, não?). E dessa vez o diretor respondeu! Milos havia aprovado o projeto! E Michael foi correndo visitar Milos e não perdeu a chance de perguntar: “Por que não me respondeu antes?” O diretor disse que nunca havia recebido cópia alguma do original mandada por Kirk e que aquela era a primeira versão da obra que ele havia posto os olhos.

Mais tarde, ambos descobriram que o livro que Kirk havia mandado para Milos havia ficado retido na alfândega e o diretor nunca recebera um aviso para ir lá buscá-lo. Mais uma vez, se não fosse pela persistência da “família Douglas”, o filme jamais teria saído dos papéis, uma vez que Kirk havia comprado os direitos autorais da obra.

Bem, uma vez encontrado o diretor e tendo o “screenplay” em mãos, o próximo passo era consideravelmente fácil: achar um excelente produtor (além do próprio Michael) que tornasse o projeto viável. Foi assim que eles chegaram à Saul Zaentz. Os passos que se seguiram a partir desse encontro traçaram as linhas de como a produção seria realizada.

Foi aí que Kirk Douglas abandonou o barco, pois ele divergia e impunha muita resistência as idéias de Saul Zaentz. Entretanto, o próprio Kirk confessou depois que adorou o trabalho feito por Saul, Douglas e Forman, e consentiu que seu sonho de épocas teatrais fora realizado.

Um dos outros fatores que tomaram um considerável tempo da fase de pré-produção do filme diz respeito a escalação dos atores da película que são, diga-se de passagem, todos magistrais. Todos os coadjuvantes são de um nível tão excepcional, mas tão excepcional, que fica difícil até mesmo encontrar palavras o suficiente para descrevê-los. Muitos hoje ainda não têm o devido reconhecimento no circuito internacional que deveriam ter, outros já faleceram e outros ainda estão constantemente aparecendo na mídia, como é o caso de Christopher Lloyd (De Volta Para o Futuro) e Danny DeVito (Los Angeles – Cidade Proibida).

O Início de um Sonho

A escolha do personagem principal definitivamente não foi fácil. Encontrar uma pessoa que se adaptaria com genialidade ao personagem Mac (Randle Patrick McMurphy) era uma missão quase impossível. Mac é um típico anti-herói, o rapaz que cometeu delitos, mas ao longo da projeção vai conquistando aos poucos a simpatia e a aprovação do público. Antes de Nicholson, dois outros atores haviam recebido convites de Milos: Gene Hackman e Marlon Brando.

Ambos recusaram. Foi então que Saul Zaentz citou o nome de Jack Nicholson, um jovem ator de qualidade que tinha a cara de Mac e ainda por cima de tudo, era barato. Jack fez alguns testes e logo Milos proclamou: “Esse é o meu homem!” Porém, os problemas não pararam por ai. Logo que as filmagens de “Um Estranho no Ninho” estavam prestes a começar, Nicholson informou à produção que deveria largar o projeto pois por força de contrato com outra produtora ele deveria filmar um outro filme naquela mesma época.

A resposta de Forman veio de imediato: “Sem problemas, esperamos!” E por mais sete meses o filme foi adiado. Passado o período, Nicholson voltou e finalmente tiveram inicio as filmagens. “Um Estranho no Ninho” conta a história de Rundle Patrick McMurphy que, para não ficar na prisão, inventa uma suposta doença mental e acaba indo parar num hospital onde outras pessoas com o mesmo problema são tratados. Ele acaba tentando mudar o “ânimo” do local jogando cartas e basquete com seus quase inanimados companheiros. Entretanto, quase sempre Mac acaba por entrar em conflito com a enfermeira-chefe do local, Mildred Ratched (Louise Fletcher).

As filmagens da película são praticamente um capítulo à parte na história da mesma. Saul Zaentz e Michael Douglas visitaram quatro hospitais diferentes até que encontraram um onde pudessem rodar o filme. Sim, caso você ainda não tenha visto o filme, é isso mesmo que você está pensando, o filme é praticamente todo gravado dentro de um hospital. Só há uma cena (a cena em que eles fogem do hospital para irem pescar, super engraçada diga-se de passagem) que não é filmada dentro do hospital. A história dessa tal cena externa é muito engraçada, bem como toda seqüência. Forman sempre foi muito relutante na hora de selecionar as seqüências que entrariam no filme e as que eventualmente ficariam de fora. Inicialmente, essa cena não era prevista para entrar na edição final do filme, mas após Douglas, Zaentz e todo elenco praticamente implorar a Milos, ele resolveu incluí-la. E acredite, a forma como ela foi gravada é extremamente cômica. Você vê aquele bando de homem dentro de uma lancha de porte médio. Até ai tudo bem se não fosse pelo fato que, como explicado no making of do filme, apenas Jack Nicholson não estava enjoado. É muito mais engraçado ver a cena sabendo que aquelas caras de nojo são verdadeiras. Assistir a essa cena é garantia de muitas risadas.

Voltando ao assunto das filmagens, todo o filme foi filmado na seqüência que você vê na produção (o que é uma coisa rara de se ver), com exceção da cena externa que, devido a relutância de Milos, foi filmada por último. Praticamente dias antes das filmagens terem inicio, os atores já lá no hospital se encontravam, literalmente morando, vivendo lá, aprendendo a serem comportados como tais pacientes. Danny DeVito (que interpreta Martini), por exemplo, chegou a freqüentar sessões de terapia de grupo de verdade por horas, dias a fio. Muitos outros fizeram isso também.

Por falar em terapia de grupo, essas partes representam quase as melhores seqüências do filme. É interessantíssimo saber que várias tomadas dessas terapias foram feitas com os atores nunca (eu disse nunca) sabendo que estavam sendo filmados. Milos sempre desejara o máximo de veracidade das sessões de terapia por parte dos atores.

Jack Nicholson

Bem, ao rever a edição remasterizada do filme, o choque é grande. Como é ótimo ver Nicholson naquela velha forma, ou melhor, em plena forma. O vigor e a jovialidade que o ator tinha eram mais do que necessários para que um personagem como Randle Patrick McMurphy se tornasse real. E Jack soube dar como ninguém vida ao personagem.

Ele sempre deixava os atores que estavam ali trabalhando com ele cada vez mais “soltos”, por suas piadas “fora do roteiro” que ele inseria de ultima hora (e que entravam nas seqüências) e por milhares de outras razões. Suas cenas em “Um Estranho no Ninho” são memoráveis e já entraram há muito tempo para a história do cinema. Particularmente falando as minhas favoritas são as seqüências das terapias, a cena externa e a “festa”.

Umas das relações mais legais do filme também (além da principal – Mildred vs McMurphy) é entre Mac e o “chefe”, o grande e mudo índio. Desde as primeiras seqüências na quadra de basquetebol até momentos antes de Mac tomar “um choque”, a relação entre os dois é muito divertida e a prova disso são as risadas que as seqüências geram ao público.

Will Sampson, que interpreta o “chefe”, foi uma peça difícil de ser encontrada para que se encaixasse ao elenco de “One Flew Over The Cuckoo’s Nest”. Quando as filmagens estavam prestes a começar, os produtores ainda estavam a procura de alguém que se encaixasse perfeitamente no papel e que tivesse as mesmas características que o índio do livro apresentava. Foi ai que Zaentz ligou pra Michael Douglas e disse que tinha achado o homem pelo qual eles estavam procurando. Não era uma escolha fácil. Não é em qualquer esquina que você acha uma pessoa disposta a trabalhar num filme, com o mínimo de talento e que acima de tudo seja monstruosamente alto, como Will Sampson era, dando fidelidade ao personagem do livro. Uma “peça” muito difícil de encontrar-se, visto que a maioria dos descendentes indígenas são baixinhos. Infelizmente Sampson veio a falecer em 3 de junho de 1987, doze anos após a estréia da película, por complicações cardíacas.

Mildred Ratched

Um dos personagens que mais fazem frente a Mac em termos de qualidade neste filme é o da atriz Louise Fletcher. Inicialmente a idéia para a personagem que faria a enfermeira daquela ala do hospital seria a imagem da “encarnação do mal” em pessoa. Entretanto, ao passo que as filmagens começaram, as coisas mudaram totalmente de rumo.

Mildred não poderia ser vista como a “encarnação do mal”, até porque Louise Fletcher era bonita demais para demonstrar tendências tão maquiavélicas. Então, a personagem foi completamente reestruturada... Mildred não mais seria uma personagem 100% má; ela ainda faria de certa forma mal aos internos, entretanto, seu jeito sempre suave, tênue e não-agressivo balancearia a personagem e daria um charme todo pessoal à enfermeira Ratched.

A enfermeira acredita que está se esforçando para apenas fazer e praticar o bem dos pacientes, entretanto, muitas vezes o oposto é o que ocorre. Não há quem não se encante com a beleza de Mildred a primeira vista. Mas não se preocupem, até o final do filme você aprenderá a odiá-la. Belíssimo, exímio trabalho de Louise Fletcher.

Uma curiosidade por parte da atriz é que ela sempre reclamava que os outros atores sempre estavam se divertindo com seus personagens, falando besteiras, enfim, atuando como os loucos que deveriam parecer mesmos; enquanto isso, a personagem de Louise era sempre de postura rígida, forte e marcante. Até que um dia Louise não agüentou. Ela reclamava tanto que não podia se divertir com seu personagem como os outros faziam que simplesmente resolveu tirar a roupa no meio dos sets de filmagem.

O Sonho Realizado

As premiações das quais o filme participou só vieram a dar um toque especial ao sonho realizado de Kirk e Michael Douglas, de Milos Forman e dos muitos atores que participaram do filme. Entre as premiações que “Um Estranho no Ninho” levou destacamos: Todos os Globos de Ouro que disputou; 6 BAFTA’s, incluindo: ator, atriz, direção, filme, edição e ator coadjuvante; 5 Oscar, incluindo: ator, atriz, diretor, filme e roteiro adaptado.

Antes de finalizar, não poderia deixar de comentar apenas mais dois itens. O primeiro diz respeito a trilha sonora do filme que é ótima. A música tema realmente te faz lembrar de Mildred imediatamente.

O segundo item diz respeito à atuação de Brad Dourif (que interpretou o personagem Billy, o que havia tentado se suicidar por varias vezes). Brad está impecável, não é a toa que foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e levou o Bafta justamente por sua atuação em “Um Estranho no Ninho”. Atualmente o ator está sendo visto nas mega-produções de Peter Jackson: ‘O Senhor dos Anéis: As Duas Torres’ e ‘O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei’. Brad interpreta o carrancudo Gríma Wormtongue.

Uma das melhores coisas em “Um Estranho no Ninho” é a forma que ele trata os mais diversos e variados temas. É um filme que te faz rir. É um filme que te faz chorar. E tudo nele é fora do comum, extraordinário. Produção, direção, atores principais, coadjuvantes de primeiro nível, enfim, é uma das maiores obras-primas do cinema. Um sonho de pai e filho que, graças a persistência de ambos, acabou por virar realidade, ainda bem.

Comentários (2)

Lucas Felipe | sexta-feira, 05 de Dezembro de 2014 - 15:10

Estou constantemente discutindo com alguns amigos sobre o que é melhor, livros ou filmes. É claro que tudo é sempre em tom de brincadeira, até porque isso vai do gosto de cada um, mas um dos meus argumentos para explicar porque prefiro o cinema são algumas atuações que não poderiam ser descritas nem por 1 bilhão de palavras. As desse filme são sempre as primeiras que uso como exemplo, simplesmente sensacionais, de todos, mas com o monstro Jack Nicholson ainda assim conseguindo se destacar.

Ótima crítica para esse filmaço!

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