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Críticas

Cineplayers

Parceria entre Lemmon e Matthau até hoje representa uma comédia deliciosa.

8,0

A história do cinema é repleto de grandes parcerias. Fred Astaire e Ginger Rogers, John Huston e John Wayne, Marcelo Mastroianni e Federico Fellini, Martin Scorsese e Robert De Niro, por exemplo, são apenas algumas das duplas que se tornaram icônicas no universo da sétima arte. A união entre Jack Lemmon e Walther Matthau, se não chegou a render obras-primas, certamente resultou em diversos momentos divertidos. Um Estranho Casal é apenas a segunda colaboração entre Lemmon e Matthau, mas, provavelmente, a melhor.

Adaptada por Neil Simon a partir uma peça de teatro de sua própria autoria, Um Estranho Casal conta a história de dois amigos com nada em comum. Após acabar o casamento de 12 anos, Felix acaba indo morar no apartamento de Oscar, também divorciado. O problema é que Felix é fanático por limpeza e cheio de manias, enquanto Oscar é completamente desleixado e despreocupado.

Enredos focando amizades entre duas pessoas com personalidades distintas já se tornaram lugar-comum no cinema americano. No entanto, poucas produções deste subgênero são tão deliciosas quanto Um Estranho Casal. Produzido em 1968, o filme pode facilmente ser incluído entre as grandes comédias de todos os tempos: as piadas e a inteligência do roteiro funcionam ainda hoje.

E é um deleite assistir uma comédia que não subestima a inteligência do espectador. Peço até desculpas aos leitores por cair em um clichê, mas a verdade é que não se fazem mais comédias como essa (salvo uma ou outra exceção). Um Estranho Casal apóia-se quase exclusivamente no brilhantismo do roteiro e nas atuações, que cria personagens fáceis de gostar e momentos nos quais a risada vem fácil.

Nada de piadas envolvendo flatulências, criancinhas adoráveis ou animais fazendo coisas supostamente engraçadas. Os impagáveis diálogos concebidos por Neil Simon garantem a hilaridade, oferecendo diversos momentos memoráveis. Praticamente todos os personagens têm falas inspiradas, mas é o rabugento e divertido Oscar (Matthau) que fica com a maior parte delas: “Você não pode passar o resto da sua vida chorando. Isso incomoda as pessoas no cinema”.

Aliás, não resisti a transcrever um dos diálogos do filme, como exemplo de como nada ainda supera a inteligência e inspiração de um bom texto:
 
ROY: Eu disse que você entraria em encrenca. É por essa razão que você não consegue administrar nada. E eu sei disso – sou seu contador.
OSCAR: Se você é meu contador, por que estou precisando de dinheiro?
ROY: Se está precisando de dinheiro, como está jogando pôquer?
OSCAR: Porque eu preciso de dinheiro.
ROY: Mas você sempre perde.
OSCAR: Por isso eu preciso de dinheiro.
ROY: Então não jogue pôquer.
OSCAR: Então não venha à minha casa e coma minhas batatinhas.

Claro que todos os diálogos ganham ainda mais destaque com as interpretações, tanto dos coadjuvantes quanto da dupla principal. Disparando uma frase atrás da outra, fato comum em obras antigas, os atores estabelecem um ritmo para o filme apenas através das palavras. Assim, mesmo passando-se quase que unicamente em um cenário, revelando sua origem teatral, Um Estranho Casal jamais torna-se cansativo.

Muito do sucesso do filme também deve-se aos ótimos Lemmon e Matthau. Além de construírem dois personagens completamente distintos (e adoráveis), os atores estabelecem aqui uma dinâmica que seria estendida a todas suas colaborações posteriores. A química entre os dois é tamanha que fica fácil para o espectador acreditar que, por trás de todas as diferenças entre Felix e Oscar, há um forte sentimento de amizade entre os dois.

E este, aliás, é o grande tema de Um Estranho Casal. Mesmo com todas as risadas, com as neuroses de Felix, a vivacidade de Oscar e até perspicazes colocações sobre a vida de casados, é a amizade entre os dois personagens o verdadeiro coração do filme. E é sempre maravilhoso saber que, assim como Felix e Oscar, que se uniram mais uma vez em 1998 em Meu Melhor Inimigo, Lemmon e Matthau construíram uma amizade que durou até o fim de suas vidas.

A vida, pelo menos nesse caso, imitou a arte.

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