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Críticas

Cineplayers

Objetos animados e história fabulosa para uma narrativa sem vida.

6,0

No universo mágico que rege a vida em A Espuma dos Dias (L' Ecume des Jours, 2013), novo filme de Michel Gondry, tudo de mais absurdo e inesperado pode acontecer. Colin (Romain Duris), um bon vivant, aproveita isso ao máximo, com seu piano que prepara drinks, seus sapatos que têm vida própria, e sua nova esposa, Chloë (Audrey Tautou). Tudo vai às mil maravilhas até que a moça adoece graças a uma flor de lótus que começa a crescer em seu pulmão. Para salvá-la, ele e seu cozinheiro Nicolas (Omar Sy) usam todos os seus recursos, e de repente a vida já não parece mais tão fabulosa.

Tudo em a Espuma dos Dias colabora para a ideia de que estamos diante de um trabalho muito cheio de possibilidades, em especial nessa mistura de cinema indie, com fantasia e uma mensagem final melancólica. Algo muito próprio de Michel Gondry, em colaboração com a eterna personagem-título de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain, 2001), um quase filme-base para esta produção. Sua fórmula de fábula encantada, infantilizada até, encontra rima no recente Moonrise Kingdom (idem, 2012), de Wes Anderson, e sua ternura e charme fecham o pacote para um autêntico conto de fadas moderno.

Diante da sensibilíssima história original do romance de Boris Vian, Gondry poderia encontrar muito mais do que situações engraçadinhas e charmosinhas para narrar seu novo filme. Muito apegado aos apetrechos fabulosos, como um arco-íris que aparece com o simples acionamento de um botão, o diretor parece ter se perdido em meio a tanta fantasia e por conta disso seu filme carece de uma narrativa sólida. Na verdade, por muitas vezes tudo parece se resumir a uma sucessão de esquetes de consistência agridoce, porém gratuitos quando se percebe que só estão ali para distrair, e não para contribuir para que a história ganhe um rumo. O que deveria ser um toque de mágica para enfeitar um triste conto sobre a aceitação da morte iminente de uma pessoa amada, acaba se tornando excessivo e termina por sobrecarregar a produção. Nem mesmo a bela troca de tom entre os dois primeiros atos do filme (um começo colorido e alegre quando o casal se conhece e se casa, e uma continuação sóbria e de tons frios quando Chloë adoece) ganha a devida atenção em meio a tanta afetação.

Gondry é um diretor irregular, e por isso não é surpresa a narrativa inconsistente de A Espuma dos Dias. Começou em um filme gratuitamente grotesco em A Natureza Quase Humana (Human Nature, 2001), partiu para uma obra-prima do romance no cinema americano moderno em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) – embora o sucesso deste se deva mais ao roteiro de Charlie Kaufman –, repetiu a tentativa no desconhecido Sonhando Acordado (La Science des rêves, 2006), arriscou-se sem medo nenhum em uma ficção-científica amalucada comandada por Jack Black em 2008, dividiu com Joon-ho Bong e Leos Carax a direção de Tokyo! (idem, 2008), no qual acabou totalmente ofuscado pelos segmentos dos seus dois colegas, tentou apostar em cinema comercial vagabundo com O Besouro Verde (The Green Hornet, 2011), e depois de mais um projeto independente que passou despercebido está de volta à França com este trabalho idílico ao lado da musa Audrey Tautou. Mesmo com tantos altos e baixos, a expectativa em relação ao seu novo projeto era alta, e por isso sobra um gosto de decepção quando notamos que o diretor nada mais faz aqui do que um O Fabuloso Destino de Amélie Poulain – Parte II.

A mensagem singela que tenta se fazer notar em A Espuma dos Dias envolve o aceitamento diante da morte, o medo de a vida perder seu brilho e sua mágica quando uma pessoa querida se vai ou se prepara para ir. Mas o triste mesmo é constatar que os objetos animados são mais interessantes do que os personagens, e que esperar pelo aparecimento deles acaba se tornando mais recorrente do que esperar pela resolução da história de Colin e Chloë, gerando a involuntária ideia de que a ausência da moça não fará tanta diferença assim, pelo menos para nós. Michel Gondry se perdeu em seu mundo de fantasia e sua narrativa é dissipada pela tal espuma dos dias. Talvez valha por momentos isolados de grande inspiração e por sua inventividade (embora mal aproveitada), mas no fundo não passa de mais um filme indie charmoso, aconchegante, e que vai perdendo toda sua graça na memória conforme o tempo vai passando após o fim da projeção.

Comentários (3)

Patrick Corrêa | sexta-feira, 12 de Julho de 2013 - 15:28

O texto está bem escrito. Porém, discordo de praticamente tudo.

O filme é um dos mais inventivos sobre o amor dos últimos anos, para além das cenas fofinhas, além de travar um belo diálogo com Brilho eterno de uma mente sem lembranças. O mote da história é a preservação da memória de várias formas possíveis.

E não vejo tantas semelhanças entre o filme em análise em O fabuloso destino de Amélie Poulain, que nem é tão bom assim...

Ma Rodrigues Barbosa | sexta-feira, 12 de Julho de 2013 - 17:13

Tratando-se de um americanista,não estou surpreso.
Honestamente,considero os E.U.A. um país patético.

Polastri | sexta-feira, 12 de Julho de 2013 - 17:54

Ainda não li a crítica, mas tenho a dizer que foi uma profunda decepção esse.

O que era inventividade em um "Sonhando Acordado" ou "Brilho Eterno..." virou uma grande bagunça aqui. Uma montanha de artifícios que só serve pra ofuscar narrativa e personagens, que acabam por ser bastante insossos. Os efeitos visuais dele continuam bacanas, mas de resto achei um grande retrocesso.

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