A dança, mesmo dentro das mais diversas abordagens no Cinema, sempre pareceu indicar um objetivo final: a busca pela perfeição e/ou libertação naquilo que lhe faz sentir vivo. Se não de forma direta como no horror psicológico de Darren Aronofsky em Cisne Negro (com quem E Então Nós Dançamos guarda certas semelhanças estéticas), a dança sempre assumiu esse papel de expiação e de uma vontade de se desafiar por algo maior e de impacto extremamente individual. O filme de Levan Akin transporta essa escolha de narrativa para o universo LGBT, onde Merab (Levan Gelbakhiani), um jovem dançarino de uma companhia de dança da Georgia, se vê simultaneamente ameaçado e interessado por Irakli (Bachi Valishvili) um novo membro de ar rebelde, que imediatamente chama a atenção de todos ao seu redor.
Akin dispensa quaisquer rodeios ao deixar claro qual será o foco de seu filme: superação e autodescoberta. Merab se mantém na companhia a duras penas, trabalha num restaurante para sustentar a família, precisa lidar com os desleixos de seu irmão (dançarino na mesma companhia) e a ausência de seu pai que se vê obrigado a trabalhar longe para sustentar a família. Introspectivo, porém, Merab encontra na dança sua forma pessoal de fugir dessa realidade e alcançar seu êxito pessoal, e é nela que Akin irá carregar grande parte da carga dramática de seu filme, com a câmera sempre próxima dos personagens nos números de dança (o que remete ao já mencionado Cisne Negro, mas para por aí) enquanto seu protagonista descobre novos sentimentos que o extremo foco na sua arte ainda não havia lhe permitido experimentar, com exceção do envolvimento sem pretensões com Mary (Ana Javakisshvili).
Enquanto a dança se encarrega de aproximar Merab e Irakli, o roteiro também de Akin se dedica em construir, com bastante verossimilhança a rotina de ensaios e treinos da companhia, ao passo em que insere pontualmente o conceito tóxico de masculinidade que ainda toma conta de países que consideram a homossexualidade um tabu, como a Geórgia. Sem surpresas, o filme causou revolta e protestos quando foi escolhido para representar o país nas vagas para o Oscar 2019. Grande parte do mérito está na habilidade do diretor em se abster de maiores verborragias para atenuar esse conflito, investindo nos encontros e olhares furtivos entre os dois personagens. Nesse sentido, o filme remete ao intenso Retrato de uma Jovem em Chamas, apostando na economia narrativa para dizer muito mais sobre a crescente interior daquele sentimento.
Provavelmente pensando num contraponto que não banalizasse a abordagem, Akin aposta num grande número de cenas ensolaradas e pequenas catarses na aproximação entre Merab e e Irakli, pequenos momentos que indicam certo ar de esperança e leveza a jornada de autodescoberta de ambos, evitando a extrema mortificação pelo surgimento de sentimentos inéditos para ambos. Por vezes, tais momentos ameaçam cair num ar fabular que ameaça a verossimilhança alcançada pela construção de Akin (o fato de Irakli já ser amigo do irmão de Merab é um detalhe jogado ao vento), mas mantendo o pé no chão, facilitam a aproximação e identificação com Merab ao nos arrancar sorrisos honestos que se tornam a prova de que estamos já abraçados aquela história. Akin não vitimiza o amor, por mais impossível que ele possa parecer.
Encontrando sua honestidade dentro dessa linha de acontecimentos formulaicas (é perfeitamente possível prever o primeiro beijo entre os dois, por exemplo, e nisso só nos resta esperar pelo acontecimento), Akin também demonstra certa virtuosidade que, infelizmente, surge tardiamente na narrativa, mas impressiona: o notável plano-sequência na casa e a sequência de dança final, num ato de enfrentamento do protagonista ao que lhe cerca e lhe oprime, e se o pé sangrando torna-se um simbolismo óbvio demais, o filme preserva a enorme satisfação de acompanhar a jornada dos dois jovens para além das regras impostas.
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