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Críticas

Cineplayers

Reviravoltas, clima de desconfiança e carisma do par central fazem de Duplicidade um filme agradável.

7,0

Para examinar Duplicidade, novo trabalho do diretor e roteirista Tony Gilroy (responsável pelo superestimado Conduta de Risco), é interessante abordar o contexto social do universo dos filmes de espionagem.

Há 20 ou 50 anos, as produções desse gênero versavam apenas sobre o ambiente de insegurança e disputa entre as nações. A pergunta em relação a um agente era sempre: “Para qual governo ele trabalha?”. Havia, então, os países e a suas agências de inteligência, e a informação residia em projetos de natureza bélica. Hoje, é interessante ver grandes corporações investindo pequenas fortunas na proteção de seus dados – afinal, a informação é um dos ativos intangíveis da empresa. E isso não é coisa da ficção: no seu país, na sua cidade, neste momento, há alguém fazendo esforços e campanhas para que não se discutam assuntos corporativos em um café, por exemplo; ou que os celulares dos convidados sejam deixados com a segurança e não façam parte de uma visita à fábrica; ou que senhas sejam trocadas todas as semanas e jamais contenham nome de parentes ou dos animais de estimação ou datas ou placas de carros, e que não sejam anotadas nem ditas e quiçá não se pense muito nelas.

A paranoia está infiltrada no mundo corporativo. E é disso que Duplicidade faz matéria.

Em um mundo em que a todo momento você pode estar sendo filmado, fotografado, gravado; em que tudo que você faz pode estar sendo registrado, em que sempre há alguém espiando o espião, um filme como Duplicidade soa como uma brincadeira divertidíssima, que eleva à potência máxima o medo inserido no cotidiano das pessoas e empresas. Claro que isso não chega a ser novidade: já havia sido antevisto por Orwell (que, no entanto, imaginava um regime totalitário), já estava presente no excelente A Conversação de Coppola, cujo final é quase uma prévia do que viria em Inimigo do Estado e neste Duplicidade. De qualquer forma, Gilroy faz uso do fato e cria um filme interessante sobre a desconfiança interpessoal e corporativa.

Um dos aspectos mais importantes para Duplicidade funcionar é o clima; afinal, trata-se de um filme que apenas causa um efeito por conseguir envolver aos poucos a plateia na atmosfera particular em que se encontram os personagens. Para que seja eficiente nesse aspecto, conta com diversos recursos. Os mais relevantes são o roteiro e o elenco.

A construção da história é feita de forma inteligente e eficaz. Em meio ao tempo presente, são apresentados flashbacks de momentos importantes, que ressignifcam a trama presente. Isso garante um enorme número de reviravoltas – em determinado momento, o espectador já fica ciente de que haverá isso – e faz o enredo se enredar sem, no entanto, perder o fio.

O roteiro original de Gilroy, ao contrario da maioria dos argumentos de ação ou espionagem, não parece ter sido escrito com pressa. É um material trabalhado, lapidado, pensado para que cada elemento que está ali tenha uma função. Além disso, a trama tem um ritmo adequado, as revelações são feitas na medida certa, não há atropelos, correria ou exageros (o único – e importante – deslize acontece apenas no fim, mas isso será abordado mais adiante). O fato é que o roteiro tem esse mérito de misturar as desconfianças corporativas com as dos personagens e, com isso, estabelecer uma atmosfera que envolve.

O carisma e a forte presença em tela do par central são de grande importância. Se já haviam protagonizado momentos memoráveis em Closer - Perto Demais, Clive Owen e Julia Roberts voltam a encarnar um casal que alterna o desejo com a desconfiança. É esse clima de insegurança que vai entrando aos poucos e toma conta da produção; acaba por tornar-se algo maior que qualquer outra coisa. Para completar, o elenco de apoio conta com os ótimos Tom Wilkinson e Paul Giamatti, que protagonizam uma cena magistral durante os créditos de abertura, que certamente poderá ser listada entre os melhores momentos de Hollywood em 2009.

É claro que a produção tem pequenas falhas, mas nada que mereça muito destaque. O deslize maior fica por conta da última reviravolta: entre todas que acontecem, talvez essa seja a única que soe forçada ou quase desonesta, que ocorra apenas para dar mais uma surpresa (a maior) para o público. De qualquer forma, é possível que isso não incomode grande parte dos espectadores.

Por fim, Duplicidade não é e não se pretende uma obra filosófica de profundidade oceânica. Ainda assim, consegue entregar mais do que mero divertimento ao acrescentar um olhar irônico sobre a nossa era.

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