Transmutando Drácula/Nosferatu para um terror de Shopping
A intenção pela construção de uma narrativa que mostrasse o Drácula (com visual nosferaturatoso) novamente como criatura sanguinária sem freios é ótima, principalmente por já termos ciência de que seu desfecho deixaria o monstro vivo. Para se atingir tal intenção seria de notório interesse provocar tensão no espectador para que se existisse uma empatia mínima por personagens que sabemos que seriam massacrados, além de se concentrar também numa execução primorosa de ambiência para a destruição que viria. O filme de fato busca alcançar estes elementos, segue uma estratégia a demarcar um caminho que siga o capítulo 7 do livro de Bram Stoker, e tomando as decisões que lhe interessam para fazer o projeto andar.
Para conseguir esticar um capítulo de livro em filme e fazer com que o mesmo funcione por si só é trabalho invocado, por isso a escolha em propor um filme mais violento e soturno acaba por encaixar bem na proposta, assim como a inexistência de quaisquer traços de humor. Temos uma criatura destrutiva e a tripulação do Demeter tem que se virar para pelo menos conter o bicho. O roteiro tenta buscar algumas soluções para com a lida com a criatura e trata alguns personagens com uma burrice – ingenuidade se formos adotar um tom mais condescendente – desconcertante, não por não sacarem que diabos de criatura é aquela, mas por não buscarem caça-la quando estão dotados de informações o suficiente do porquê ela se manifesta apensa na noite. Existe também uma personagem feminina absolutamente irritante nas suas pretensões forçosas que só existe como muleta narrativa para contar a origem do monstro pro expectador e para informar os personagens do perigo que os ataca. Isto acaba por tirar parte da força interna do desconhecido da criatura, assim como perde-se tempo nos explicando como existe o diabo do Drácula, como se isso fosse de alguma forma necessário. É uma mastigação narrativa inútil.
Os acertos ficam nalgumas escolhas visuais onde a concatenação do ambiente claustrofóbico do barco funciona muito bem, unindo trucagens de iluminação e câmera para nos manter sempre presos ali assim como à deriva no mar – os planos se mantém em numa leve movimentação que num primeiro momento é perceptível, mas que se encaixa no subconsciente nos fazendo jamais esquecer do quão ainda inóspito é aquele espaço e quão estão em abandono por aquilo que é externo a ele. Um ambiente de desgraça. Há o mistério em se descobrir que porra de criatura é esta nos primeiros minutos, que acaba por se encaixar na curiosidade do espectador em saber como diabos é o formato do monstro. Algo mostrado aos poucos (deixou de ser artifício novo há pelo menos uns 40 anos, mas funciona quando bem arrumado).
A tal criatura é formatada num misto entre efeitos de computação gráfica e maquiagem que oferecem competência sem contraindicações, e some-se a isto o gore de alguns ataques (algo que poderia até ser mais bem explorado já que se escolhera este caminho). Inclusive há uma certa evolução da figura que vai num crescer evolutivo a cada vez que se alimenta do sangue da tripulação, e as lentes a vão monstrando cada vez mais. Esta escolha progressiva entre evolução do personagem e sua amostragem, talvez seja um dos pontos mais espertos da fita. Porém mesmo com este acerto, o enchimento de saco do excesso de jumpscares como ferramenta passa do ponto e na maioria das vezes com cortes e planos óbvios ao susto que apelam para uma cacofonia sonora que acaba por não impactar como deveria. Como algo que qualquer filme preguiçoso poderia se instrumentalizar. O filme todavia, não se roga em querer inventar nada e parte para o descambo de suas escolhas, estúpidas ou não. É uma pena diante das possibilidades, mas mantém-se como ordinário e jamais como desastre. Inclusive tem alguns acertos divertidos como quando por duas vezes tem a energia em estraçalhar uma criança, seja no ataque monstruoso a ela ou quando a queima com a luz do Sol – algo pouco usual ainda no terror mainstream, principalmente nos modernos mais assexuados. Estas escolhas tiram um pouco da obviedade da fita. Assim como sua rebuscada imaginação e trabalho de arte para o navio Demeter, que quase chega a ter personalidade própria devido ao esmero do trabalho e do bom uso dessa característica. Em termos de produção o filme realmente alopra ao construir uma atmosfera opressora. Segura bem a duração do material. Com a união disso aos usos de claro e escuro na iluminação e perspectivas do extracampo que buscam manter o monstro sempre à espreita. Presente por ali, como se nunca saísse do cangote da tripulação. Inclusive em seu período de dormida nas manhãs, sua energia consegue ser mantida como presente, em corredores sujos, pessoas infectadas e aspecto de podridão.
Ao que se propõe logra interesse em suas escolhas e mais diverte do que enche o saco no final das contas. E consegue ainda a façanha de ter uma cena final tanto absurdamente irritante e imbecil tanto quanto deliciosa imageticamente. Meio que resume bem o projeto. Com ares de busca por uma futura franquia (como é de praxe de qualquer obra de terror moderna que leve em consideração o tamanho dos mitos que usam em seus projetos), o material finaliza com sabor agridoce por conta do enchimento de saco por buscar desesperadamente algo a mais que não se atenha ao fechamento do filme que se tem nas mãos, principalmente quando aposta no protagonista sobrevivente que de tão sem graça que nem o citei por aqui. Mais um que tem uma condicionante crítica interessante – um médico negro que não consegue emprego por conta de sua cor – que logo é jogada as favas somente pelo tesão do suposto comprometimento do filme com pautas importantes. Talvez por isso a obra propunha um protagonismo dividido entre homem negro e a citada mulher, duas figuras altamente tratadas com subserviência de acordo com a época que o filme é retratado, assim como as permanências históricas contemporâneas vinculadas a estas figuras. Mas nada disso soa organicamente ou causa um interesse mínimo que seja para além da citação. Então, eu aqui tergiversando ou não, o material oferece violência, opressão ambiente e enchimento de saco em diferentes proporções, mas causa interesse. Violência e Drácula sempre combinam.
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