Diário de Sintra é um documentário sobre o retorno da viúva de Glauber Rocha à cidade em que ambos viveram os últimos dias de sua relação, marcada dolorosamente pela morte do diretor. E, por isso mesmo, pois ligado à memória da perda, o filme é denso desde o começo. A quem não conhece a trajetória particular de Glauber, seus motivos de exílio e as mágoas que lhe assombraram os últimos dias, talvez este filme não faça sentido. Aos que o conheceram ou transformaram-se em órfãos dele, é possível reconhecê-lo sob os acordes de poesia que Paula Gaitán maneja entre a mistura de várias imagens do cineasta em oposição a outras feitas por ela.
Sintra foi a cidade escolhida pelo casal para um recolhimento, não apenas pessoal, mas da imagem do cineasta sempre envolto em polêmicas e vigiado pela opinião pública. Entre as escolhas da esposa para este filme, uma série de fotos mostram várias fases do mesmo homem, e a modificação paulatina de seu olhar na trajetória percorrida pelas imagens dão conta de uma pessoa cansada, ou como dirá um personagem que os conheceu em Portugal, “a imagem de alguém que está num exílio doído”.
Identificado por alguns como um documentário poético, assistimos em sua hora e meia de duração uma sequência de imagens de naturezas diversas, entre arquivos de família, fotos publicamente conhecidas, registros caseiros de intimidade e gravações aleatórias sobre Sintra, trajetos visuais que Paula refaz contrabalanceando a mesma cidade em tempos diferentes, ainda que a cidade de ontem e a de hoje guardem uma semelhança de hábitos incrível como se o tempo lá estivesse suspenso a espera de não se sabe o quê.
Quem conheceu Glauber em seus dias de Sintra? Quem o reconheceria? Quem ainda o conhece? São perguntas que também permeiam o documentário, além de seu tom de reencontro com o passado e uma projeção de futuro, que por motivos óbvios não se concretiza.
Imprimindo um ritmo lento e quase orgânico, uma metáfora sobre a recriação da lembrança e sobre a natureza, morte e vida são expressas com a densidade e a saudade de uma separação que não encontra culpados. E como não soar poético diante disso? Afinal, vemos ali uma mulher querendo tocar novamente o marido, o amor. Inclusive, há uma cena emblemática, a da dança das mãos, uma em sombra e outra em fotografia, que nunca chegarão realmente a se encontrar.
Diário totalmente subjetivo, este não é mais um documentário sobre Glauber Rocha, ainda que ele seja um dos personagens principais. Fica aqui um aviso aos que pensam poder conhecê-lo a partir desse recorte: não será possível. É preciso já estar conectado à mitologia-glauber para entender a busca de Paula Gaitán.
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