Em dado momento, ainda ali pelo início da projeção, Wade Wilson, o protagonista-título de Ryan Reynolds, afirma que gostaria de impressionar a namorada para não ser visto apenas como um “palhaço de uma piada só”. Considerando que, em outra cena, o personagem literalmente irá se desculpar com o público pela fase de “vacas magras” que a Marvel/Disney tem enfrentado, é bem possível que muita gente classifique esse desejo de Wade como aquilo que atualmente chamamos de “tirada pós-irônica”, uma vez que Deadpool & Wolverine (Deadpool & Wolverine, 2024) se revela tão desmesuradamente auto-consciente que, talvez, esteja nos dizendo “sim, eu sou uma grande piada de duas horas e, não se preocupem, eu sei disso.”
Nada que fuja, claro, de toda essa consciência provocadora (ou que deseja ser?) dos dois primeiros filmes solo do personagem, talvez a maior válvula de escape em contraponto aos filmes assépticos e assexuados das produções de boneco do Kevin Feige. A autodepreciação, claro, era uma das maiores armas não somente dessa (agora) trilogia em específico, mas de todo um universo que se não tão bem conectado cronologicamente, poderia assumir essa mea culpa sabendo que, no reconhecer do público sobre tantos rostos e nomes estabelecidos, a barra dessas produções estaria limpa para seguir prometendo novas aparições especiais, novas brincadeiras com o passado em paralelo com o presente, e por aí vai. Afinal, existe algo mais descolado do que ser engraçadinho sobre a própria tragédia?
A unificação do personagem Deadpool ao Universo Cinematográfico Marvel é justamente uma das maiores portas de entrada do estúdio para correr atrás do próprio rabo. Aliás, oportunidade para a própria Fox também, que anda de mãos dadas com Feige nessa brincadeira, uma piada acentuada, principalmente, pelo fato do filme ser ambientado, na maior parte do tempo, em um lixão. Conceitualmente falando, existe aqui uma ótima ideia que, acredito, nenhum dos cinco (CINCO!) roteiristas desse filme se deram conta que existia. Essa unificação do próprio cenário já comentado com a abordagem cada vez mais viciosa sobre multiversos já é uma mea culpa por si só, e trazer um dos personagens que fez parte do pontapé inicial da onda de filmes de super-heróis iniciada lá nos anos 2000 é conceitualmente tentadora quando se tem como objetivo dar vida a uma grande celebração… tá, mas celebração do quê, realmente?
Mesmo que exista uma resposta pra isso, Deadpool & Wolverine faz pouquíssima coisa com ela. A celebração pela celebração é esvaziada a partir do momento que a Marvel/Disney se apoia nesse artifício apenas para dizer ao público que “a gente é brincalhão assim mesmo” enquanto a Fox, no seu findar, tenta gritar “desculpem por tudo, mas a gente fez nosso melhor”. Não existe um fim ou objetivo para tantas aparições, referências ao passado, ao presente, às promessas pro futuro… cria-se um filme que, sem promover um avanço propriamente dito a esse universo todo, gira sobre o próprio eixo por duas horas através de uma enciclopédia de filmes que todos conhecemos, que todos identificamos facilmente, e pelos quais todos iremos suspirar por revisitar, numa hora ou outra. Irônico que, ao invés de fazer algo por esse universo, o filme apenas reitera as problemáticas que pairam sobre ele.
Estaria mentindo, é claro, se dissesse que Deadpool & Wolverine não me arrancou algumas risadas gostosinhas em alguns momentos ou que não me deixou de queixo caído com algumas participações (tem uma piada com um personagem de Quarteto Fantástico que talvez seja mais engraçada do filme), porque ele deixou, sim. E nem é um filme que propriamente não distrai por duas horas, até porque como qualquer blockbuster desse porte, ele tem sua narrativa milimetricamente acelerada pra não deixar o espectador pensar demais, investe na ação sempre que pode (por mais porca que ela seja) e, claro, as gracinhas estão ali pra formar a cereja do bolo. Mas é isto, no final tudo, absolutamente TUDO é resumido a ser uma piada, a tentativas de te arrancar um sorriso que logo irá sumir pra ser substituído por outro, no que há de mais acelerado dentro da narrativa imediatista Hollywoodiana. Não existe espontaneidade, existe desespero. Existe a auto-consciência de tantos realizadores que a brincadeira se esgota no mesmo momento que é usada. A dissipação da graça de toda essa piada é imediata assim que as luzes se acendem. Até porque, pro monopólio que é a Marvel/Disney hoje em dia, o importante agora nas participações especiais das próximas vezes.
“Ah, mas o Deadpool é zuado e descompromissado assim mesmo.”
Tá, mas a troco de quê?
"Não existe espontaneidade, existe desespero"
Deadpool virou a Dona Hermínia canadense
É o simulacro de isenção maroto da autoparódia repetido à exaustão. O caos e revolta que o mainstream assim permite.